domenica 26 aprile 2009

Bonecas Macabras- Giselle Sato


----O PACTO ----



Na porta da casa, conferiu o endereço mais uma vez. Coragem para entrar era outro assunto. Duas mulheres saíram rindo, uma delas deixou o portão aberto:- Tem hora marcada? Pode entrar...

- Vocês gostaram da consulta?

- Claro, ela é ótima.

A moça atravessou o portão, encontrou a porta aberta e sentou-se no sofá. Tudo muito humilde, nada diferente das outras casas: - Pode entrar, estou aguardando.
O som da voz vinha do quartinho, chegou devagar, espiou pelo batente e viu a mulher sentada. Apenas a toalha branca e outra cadeira:- Por favor, sente-se. Como vai?

- Nada bem, estou péssima.

- Fique tranqüila, quero apenas que segure minhas mãos. Está muito nervosa, tente se acalmar para que eu possa trabalhar.

Um altar simples, apenas uma cruz de madeira e incenso. Flores de plástico e muitas bonecas. Todas vestidas de noiva. Nos mais variados modelos, cores e tamanhos. Praticamente , todo o espaço estava tomado, eram como mil olhos de vidro observassem. Vigiando a cada movimento.
Percebeu que a mulher era cega, os olhos azulados como cristal, pareciam duas contas claras. A vidente falava com tranqüilidade:

-Não ligue para elas, são presentes de moças satisfeitas. Sou apaixonada por minhas noivinhas.

- Elas são assustadoras. Parecem de verdade.

- Menina, você não esperava por essa! Seu noivo foi embora, deu um chute no seu dinheiro e nas suas grosserias.

- É verdade, Pedro me chamou de bruxa, disse que eu ia destruir a vida dele. Meu vestido está pronto e os convites já foram distribuídos. Não aceito esta humilhação. Faltam vinte dias para o casamento, ele não pode fazer isto comigo.

- Então é mais o orgulho ferido que amor...

- Não interessa, fui à igreja procurar ajuda. Ia pedir ao padre que intercedesse. Uma moça me entregou seu cartão. Disse que você podia ajudar. Eu pensei... não tenho mais nada a perder...

- Muito bem...mas preciso esclarecer alguns pontos: Não há como quebrar o feitiço e seu caso não vai levar nem três dias.

- Jura? Não desmarquei nada, minha família nem imagina que brigamos.

- A menina precisa aprender a controlar o mau gênio.

- Eu pago o dobro , se garantir que dará resultado.

- Não é questão de dinheiro. Preste muita atenção: Você é responsável por seu destino. Tem certeza que é isto que deseja?

- Faça o que tem que ser feito. Pode deixar, sei muito bem o que eu quero.

Maria Amélia saiu da casinha enojada. Não tinha se dado conta que a noite havia passado. O cheiro forte do incenso, a cara da cega, tudo parecia surreal e confuso. Sentiu-se uma idiota desesperada, caminhando apressada pelas ruas da periferia. Fez sinal para um táxi, queria sair daquele lugar e esquecer o que havia feito.



---BONEQUINHA---


Naquela noite, teve pesadelos horríveis com as cenas do ritual. Os momentos voltavam como uma tortura, acordou aos gritos. A mãe e as irmãs cercavam de cuidados:

- O que aconteceu? Está banhada em suor, que ferimento é este na sua mão?

- Não é nada, arranhei com a faca de pão. Já disse que não gosto daquela faquinha velha. Podem ir dormir, estou bem, saiam daqui. ..Me deixem em paz.

Conhecendo o humor da moça, a família achou melhor obedecer e não perguntar mais nada. No dia seguinte, Maria Amélia estava pálida e com aspecto cansado. Não houve comentários, cada qual tomou seu rumo e a moça resolveu tirar o dia de folga.
A mão estava inchada e vermelha. Precisava limpar o machucado, faria isto mais tarde, estava cansada. O talho fundo, serviu para fortalecer a magia. Um pequeno sacrifício feito com prazer. A dor era como um lembrete e ela queria ver o resultado.
Estava cochilando no sofá, Pedro entrou de mansinho. Parecia assustado, com medo da reação da noiva:

- Amelinha. Está com uma carinha cansada. Sua mãe disse que está doente.

- Me poupe da conversa fiada. O que quer?

- Puxa Amelinha, vim pedir desculpas. Estava com a cabeça quente, nervoso com as despesas do casamento.

- Não entendo sua preocupação, meu pai está pagando tudo.

- Não precisa humilhar assim.

- Agora é tarde, já cancelei tudo e não tem jeito. Esqueceu que me chamou de bruxa?

- Mas meu amor, eu estou arrependido. Você sabe que eu sempre gostei de você.

- Sinto muito. Você para mim, morreu. Morreu!

- Pois que seja, não sei porque estou aqui. Estava trabalhando e larguei tudo feito um doido.

- Daqui a pouco, vai perder o emprego. Deixe meu pai saber o que você aprontou.

- Não faça isto Amelinha, sou arrimo de família.

- Você jogou a sorte pela janela. Nunca vai ser nada na vida, este casamento era sua grande chance.

Maria Amélia estava felicíssima, em menos de 24 horas havia dado resultado. Agora ela queria fazer o noivo rastejar, implorar, suplicar seu perdão...até enjoar de maltratar Pedro...
Então, estaria vingada e aceitaria reatar o noivado. Sabia que Pedro era apaixonado por ela desde menino. O corte latejava terrivelmente, ficou apertando o punho, assistindo o rapaz sair de cabeça baixa.
Minutos mais tarde, já havia esquecido o incidente e assistia TV. Enroscada no sofá, sentiu o movimento e encarou o noivo parado na sua frente:

- Saia daí, quero ver o programa.

Ele sorriu e continuou em frente ao aparelho, impedindo a visão. Amelinha então, percebeu a camisa branca empapada de sangue, na altura do peito. A mancha aumentava mais e mais.
Tentou levantar para socorrer o rapaz. Quando estava bem próxima, estendeu a mão e não havia nada. Pedro havia desaparecido. Sentiu um mau pressentimento, tentou o celular de Pedro:

- Pai? O que está fazendo com o celular do Pedro? O que está acontecendo?

Amelinha desabou na cadeira. A firma havia sido assaltada e Pedro reagiu. Morto.
Ele havia morrido e todo o trabalho estava perdido. Sentiu vontade de voltar à casa da vidente e reclamar. Sentiu raiva de tudo e todos. Principalmente do morto, este sim, o maior culpado.

Trancada no quarto, livrou-se do enterro e da família. Enquanto todos respeitavam seu silêncio, Amelinha deitada no escuro, amaldiçoava a vida. Começou a sentir fortes dores nas articulações. O corpo inteiro formigava e o cansaço não permitia que saísse da cama.
Naquela mesma noite, sentiu que não estava sozinha. Viu o noivo encostado na penteadeira. A mesma roupa ensangüentada, o ar perdido e triste:- O que quer? Você está morto, vá assombrar sua mãe.

Pedro riu e andou até a cabeceira da cama. Amelinha notou que ele tinha os olhos azulados. Vítreos. Pediu mais uma vez que ele fosse embora:- Patético. Até morto é patético. Pra que foi bancar o herói? Agora virou fantasma.

- Fiz de propósito. Minha mãe vai receber meu seguro de vida. Ia perder o emprego, esqueceu?

- Eu estava brincando, queria te fazer sofrer... ia reatar o casamento.

Completamente transtornada, começou a rir. À princípio eram risadinhas de deboche, depois, o riso tornou-se incontrolável. Não conseguia relaxar os músculos faciais. O molar doía, a ponto das gargalhadas, transformarem-se em pura agonia.
Amelinha desmaiou de dor, perdia a razão e não sabia o que fazer. Pedro não a deixava. Era uma sombra pairando a cada respiração. Todo o corpo contraído como estive levando agulhadas.
Ela suplicava que ele a deixasse em paz. Cada aproximação do defunto, provocavam ondas de calafrios. Amelinha se debatia, queria livrar-se do algoz, mas estavam ligados. Unidos.

Precisava ter forças para voltar na vidente e pedir ajuda. A garganta começou a fechar e sentiu as mãos de Pedro em seu pescoço. Amelinha sufocava, desfalecia sem conseguir respirar.
Então ele se foi e o ar entrou em golfadas. O pulmão ardia pelo esforço. Respirar. Não queria morrer , tinha muito para viver. Cada minuto, odiava mais o noivo, ele só queria vingança. Precisava lutar e a dor era uma inimiga poderosa.
No terceiro dia, a mãe forçou um contato:- Filha, precisa comer alguma coisa. Porque está tão escuro? Vou deixar entrar um ar, precisa reagir, estamos preocupados....

- Não , esta luz dói...

Quando uma réstia de luz iluminou o quarto, a mulher tentou conter o horror. A filha estava esticada na cama, completamente retesada.
As mãos tapavam os olhos, o cheiro forte de suor impregnava tudo. Era preciso chamar o médico urgente, Amélia estava muito doente. Rangia os dentes e gemia alto:- É Pedro, ele veio me buscar.

Uma hora mais tarde, a ambulância levava a moça para o hospital. A expressão fechada do médico, era alarmante:- Ela está com tétano, o estado é muito grave. Não compreendo como deixaram passar tanto tempo sem socorro.

- Minha filha acabou de perder o noivo, trancou-se e não quis falar com ninguém. Foram apenas dois dias doutor. Como poderíamos imaginar?

Internada na UTI, Amelinha não reagiu ao tratamento e acabou falecendo. Após a cerimônia, todos lastimavam o destino de Maria Amélia. O casal faleceu com semanas de diferença. Um caso triste e tocante.

O cortejo já ia longe, quando duas mulheres, aproximaram-se do túmulo lentamente. Uma delas depositou a boneca no jazigo recém coberto. No meio das coroas de flores, a bruxinha vestida de noiva, vertia lágrimas...

1 commento:

  1. Perdoa minha invasão, mas deixar de ler você seria um pecado. Beijos de seu amigo!

    RispondiElimina

You Tube