venerdì 24 settembre 2010

Carências e uma taça de vinho tinto - Giselle Sato


Por que não?

Fomos amantes
O que partilhamos
Ficou no silencio
Perguntas sem respostas
Beijos deslizando além alma.

Doce delírio dos esquecidos
Mãos que não se tocarão
Palavras não ditas e perdidas
Chuva fria, batendo na vidraça

Lá fora vejo silhuetas em um abraço
Tão apertado e apaixonado.
Não somos nós. Não hoje nem neste instante.
Ficamos no passado, envolto em brumas de
Lembranças

Esperança
Risadas de crianças
Balões coloridos, algodão doce, caramelos
Chocolates, chicletes nos cabelos, flores
Sabores
Cinema aos domingos, praia nos sábados mornos

E de tudo um pouco, a dor de jamais voltarmos a ser... um par

Mulher procura homem, mais de 40 anos... sincero e carinhoso





Uma mulher madura, bonita e bem cuidada, inteligente e culta. Alta, corpo no peso certo, roupas simples e elegantes compondo um estilo sóbrio e refinado. Silvia escolheu uma das fotos que a filha da melhor amiga retocou no photoshop e sorriu satisfeita. Comparadas com as de dez anos atrás, pelo menos estas tinham data e o pretendente saberia que eram recentes ainda que levemente alteradas.

Leu e releu a parte em que deveria descrever seus atributos físicos e marcou a opção adequada. Empacou no pequeno texto sobre si, digitou mulher alegre, de bem com a vida, estabilizada e independente quer achar companheiro ideal. Achou muito apelativo e trocou por decidida a encontrar um parceiro compatível com seu espírito alto astral. Não gostou do conjunto e apagou tudo, decidiu não fazer nada até esfriar a cabeça e encontrar as palavras certas. Alto astral era tudo que ela não tinha naquele momento, estava chateada até o último fio de cabelo e nada parecia bom.

Quando o espelho ao lado da mesinha do computador refletiu seu rosto contrariado, imediatamente achou que ele não estava sendo nada condescendente, notou as olheiras e o cansaço das noites mal dormidas. Mexeu no penteado, pensou em um novo corte e fez uma careta engraçada, suspirou fundo e trocou o espelho de lugar. Pendurou o mais distante possível, definitivamente aquele estava sendo um final de noite bem difícil, enquanto bebericava o café recém coado sentiu o vazio que sempre antecedia suas crises.

Fora Orkut e MSN este seria o sétimo ou nono site de relacionamento em que entraria. No início os convites insistentes das amigas foram uma boa desculpa, enchiam sua caixa de email com pedidos de adesão e ela não queria bancar a enjoada. Depois a coisa ficou mais séria e ela passou a deixar o PC ligado vinte e quatro horas, tudo aberto esperando mensagens que não paravam de chegar. Lia tudo na maior alegria. Após um dia de trabalho exaustivo, no silencio da casa confortável porém vazia, aqueles flertes eram puro deleite.

Tinha interessados, compatíveis, possíveis paqueras, pretendentes, torpedos de homens de todo o Brasil e até do exterior. Gostava de ver as fotos dos perfis, lia os comentários das supostas rivais e sentia até ciúmes de algumas mais afoitas. Sílvia apesar de querer acreditar em suas fantasias, tinha um pé na realidade que refreava seus impulsos loucos de pegar um avião e ir atrás do primeiro moreno no nordeste. Ela percebia quando os homens usavam fotos onde alguma mulher havia sido cortada, enxergava a aliança nos mais desatentos e se o interessado só usava o site durante o dia perguntava que alguma coisa o impedia de conversarem à noite. Estes sumiam com desculpas esfarrapadas, mas Silvia adorava desmascarar os mentirosos e considerava-se muito esperta.

Com o tempo aprendeu a identificar se valeria ou não a pena aceitar o pedido inicial de amizade. Isto quando percebeu que tinha centenas de ‘’amigos’’, a maioria nunca havia trocado um único cumprimento e só faziam número. Resolveu criar uma espécie de triagem e isto era outra diversão. Varias vezes tentou parar com o hábito, mas já fazia parte de sua rotina fuxicar os sites, ver fotos de estranhos, vasculhar as trocas de mensagens e acompanhar alguns casos de conhecidos.

Silvia adorava avaliar os perfis, começava verificando a quantidade de amigas que homem exibia, se ultrapasse os três dígitos, excluía porque na sua opinião seria mais uma na coleção. Depois lia as respostas sobre posição social, cultural e principalmente econômica. Se haviam um monte de atributos, fluência em cinco idiomas, cargo altíssimo e outras vantagens, ela simplesmente não entendia o que um homem com tantas qualificações fazia em um site à procura de encontros sérios. Pelo menos para ela e a grande maioria, este ser perfeito estava além das possibilidades.
Silvia neste ponto ficava confusa com suas próprias concepções: se um homem dizia que estava procurando uma parceira para se relacionar, porque expunha tanto poder econômico se exibindo em carros importados, cenários de capa de revista... Pelos elogios que beiravam o patético, ele só atraía desesperadas em nada compatíveis. Um monte de mulheres competindo por atenção, era uma massagem grátis no ego de qualquer frustrado ou falso empresário.

Isto sem falar na vez em que começou uma amizade com um garoto de programa. Claro que ele não disse nada no início e Silvia naquela época ainda acreditava em príncipes sarados, bronzeados e com abdome de tanquinho procurando namoradas. Neste ponto ela sentia-se envergonhada, afinal com toda experiência havia sido vítima de um destes moços. A brincadeira custou o pagamento da conta atrasada de telefone do amado, alguns depósitos para ajudar no provedor da internet e finalmente um notebook como presente de aniversario. Isto sem nunca terem tido nada além de longos papos varando as madrugadas solitárias, conversas cheias de palavras doces que a deixaram encantada como uma adolescente crédula e apaixonada.

Silvia sabia que não passavam de mentiras bem contadas, elogios falsos e promessas bobas. Ainda assim o apego falava mais alto e ela sofreu para cortar esta relação. O rapaz a esta altura já tinha o número de seu celular e enchia a caixa de mensagens pedindo para reatarem, como se estivessem de fato tendo um romance. As ligações a cobrar foram tantas que Silvia trocou de operadora e bloqueou todos os acessos possíveis até a dor passar. Mesmo lesada, ela nutria um sentimento doentio pelo golpista e tinha recaídas constantes. Nas noites solitárias, um diabinho soprava em seu ouvido que o custo benefício valeria a pena e ela entrava escondida nas salas dos sites e ele sempre estava online, chegava a chorar pensando com quem ele poderia estar falando.

Então Silvia simplificou da seguinte maneira: senhores casados, comprometidos ou solteirões felizes passando o tempo. Garotões tentando a sorte com mulheres com dinheiro e carentes. Os exibicionistas, narcisistas ou similares, apenas insuflando o ego e só isto mesmo! E finalmente os raríssimos querendo encontrar companhia de verdade, tão raros que ela jamais os achou. Enquanto aguardava o grande encontro com seu parceiro perfeito, acumulava horas ociosas trocando meia verdades com desconhecidos. Homens que deixava entrar em sua vida, de braços abertos, mas que nunca acrescentaram nada e ainda a deixavam cada vez mais frustrada e ansiosa. Ligou para a melhor amiga, companheira de buscas e grande viciada em internet:

-Marcinha? Está ocupada? – Pelo barulho das teclas, soube imediatamente a resposta.

- Pode falar. – Marcinha mastigava, digitava e ainda conseguia murmurar alguma coisa.

- É o seguinte, estou com uma daquelas crises de consciência pesada. Com vontade de apagar tudo e mandar a real. Eu sou fake, tudo é mentira nos meus perfis, não vou achar nada começando deste jeito.

- Pode parar, bebe uma cervejinha e vai dormir que é stress. Mulher! Depois vai se arrepender, maior trabalho jogado fora por conta de uma besteira.

- Que besteira?

- Teu garotão não está respondendo seus emails, você cismou que ele te deletou de tudo e agora está chateada. Tem um monte dando mole, escolhe outro...

- Primeiro não sei se ele me excluiu, só não o vejo online há duas semanas. Mas de qualquer forma meus lances nunca saem do virtual e você sabe disso. É que eu vivo a fantasia e fico mal quando acaba.

- Silvinha, tem muito cara legal acima dos cinqüenta. Podia tentar europeu, sabe que eles não dão tanta importância para idade.

- Eu não dou sorte, ainda não achei nenhum destes que você tecla. Além do mais, sua carinha de menina ajuda muito. Vou ter que assumir tudo e to com medo de não achar nenhum interessado. Já pensou no vexame? Zero interessados? Nenhuma visita no perfil?

- Mas eu paguei por este rostinho, o cirurgião cobrou uma fortuna ou esqueceu? E eu sempre digo que tenho quarenta e cinco anos. Algumas vezes confesso que diminuí um pouquinho, depois que já está rolando um interesse porque a maioria coloca que está procurando mulheres até quarenta e cinco. Mercado tá restrito amiga.

- Não importa, nem coragem para dar um upgrade eu tenho. Vou acabar sozinha, já estou assim há quase dois anos.

- E virtual não conta? Sei que andou dando uns pegas online. – Marcinha gostava de provocar.

- Esquece. Vou fazer algo útil e me livrar deste vício. Onde já se viu beijar monitor? Abraçar web cam, sair de mãos dadas com mouse... Só na sua cabeça.

- Nossa! Está ficando uma neurótica mesmo! Não vem estragar minha noite.

- Podíamos sair pra tomar uma cerveja, tem um barzinho novo que acabou de inaugurar aqui pertinho.

- Ah! Não vou não, estou tão bem falando com meus paqueras... no maior conforto. Preciso desligar Silvinha, meu skype está chamando. Menina, é aquele italiano lindo. Tchau querida, fica tranqüila que isso vai passar. Beijinhos.


Duas semanas mais tarde Silvia embarcou em um cruzeiro de vinte dias. Usou o dinheiro das férias e as economias para a troca do carro e foi arejar a cabeça. Embora quisesse se convencer que não havia viajado com intenção de procurar por companhia, Silvia tinha esperança de unir o útil ao agradável.

Foi observando pessoas sozinhas brincando e rindo normalmente, que ela enxergou que os momentos felizes não dependem de ninguém além de si. Entregar a um parceiro idealizado a enorme responsabilidade de tornar sua existência um mar de rosas era utopia. Olhando o oceano imenso, o céu engolindo o mar no horizonte enquanto o sol morria lento, Silvia ficou feliz por estar ali naquele instante mágico. Foi como se estivesse ouvindo o mundo e seu coração pulsando juntos. Uma sensação de paz renovou de vez o peso do seu coração, e ela olhou ao redor sem pressa.

Eram tantas pessoas diferentes: casais carrancudos, em lua de mel, famílias inteiras brigonas e outras unidas e brincalhonas. Crianças tristes e outras desprendidas e engraçadas, idosos aproveitando o máximo possível e alguns apenas descansando. Silvia podia passar o dia lendo à beira da piscina ou juntar-se a um grupo para uma aula de hidroginástica. No navio mundinho, ela aceitou que a vida fora dali não era nada diferente. Naquela noite vestiu-se bem, fez uma maquiagem leve e foi aproveitar o baile exibindo seu bronzeado recém adquirido.

Voltou para casa feliz e com a alma leve. Retornou ao trabalho muito mais alegre e simpática, tanto os colegas quanto os alunos retribuíram. Passou a sorrir com muito mais facilidade. Não agüentou e voltou aos sites de encontro com fotos e idade verdadeiras. Ela tem certeza que em breve vai encontrar alguém legal, seja no dia a dia ou online, programou outra viagem para o final do ano e pretende convidar as amigas. Afinal, existem tantas histórias com finais felizes... Porque seria diferente com alguém tão alto astral?

venerdì 17 settembre 2010

NA PONTA DA FACA - Giselle Sato



Laura sabia, com absoluta certeza, que só os apaixonados possuem, que aquele era homem da sua vida. E desta forma, passou a respirar Antonio, deixando de lado qualquer outra coisa que atrapalhasse sua concentração. Claro que no início foram flores e encontros no meio da tarde, mensagens no celular a todo minuto, ligações sem motivo apenas para ouvir o som da voz um do outro. Depois ela recuou, fazendo que ele a procurasse, Laura era mestra no jogo do gato e rato, fazia dos meandros da sedução atos irresistíveis. Finalmente Antonio estava em suas mãos, feito um ratinho dócil, alimentado com bocadinhos de queijo Brie, não por acaso seu favorito.
Sexo foi o encontro dos mesmos gostos: a fome intensa, o completo despertar da gula para depois, saciar parcialmente a luxúria. E completando o ciclo de pecados, cada vez mais fortes e exigentes, exibia o ciúme como fraqueza, aparentemente a única no meio de tantas qualidades:

- Antonio, nunca senti isso por homem algum.Desculpe, mas tudo com você é diferente.- O namorado ainda tinha nas mãos o celular, com toda a agente feminina deletada.

- Você sabe que o que sentimos é forte demais, não dá pra controlar mas eu sei que estou errada.- E chorava copiosamente. Balbuciando desculpas entre soluços cada vez mais fortes, como sempre esperava o namorado com um roupão leve, banho recém tomado e nada além da pele cheirando a hidratante.

- Amor! Não estou zangado, só que todas estas mulheres são clientes importantes. Tudo bem, esqueça tudo. - Ele ligou o laptop e digitou a senha pessoal de acesso.

- Viu? Fico imaginando o que há nestes arquivos, emails, pra você não deixar aberto e bloquear meu acesso. Eu nunca senti isso antes, eu te amo tanto! - Já não chorava quando começou a reclamar sobre senhas e segredos, o pano acetinado da roupa deslizou deixando um ombro à mostra.

- Laura, tudo aqui está relacionado ao meu trabalho, não há nada com que se preocupar, nenhuma ameaça ao nosso relacionamento. – Antonio era extremamente calmo, a fala mansa e tranqüila.

- Não penso assim, meu laptop não tem senha. Se quiser pode olhar a vontade, não tenho nada que você não conheça! - Abriu o computador e praticamente jogou na mesinha ao lado do namorado.

Dois meses morando juntos e ela praticamente não desgrudava de Antonio quando ele colocava os pés em casa. Toda a noite eram ceninhas e ele parecia deliciado em ser o centro das atenções. Laura percebeu e passou a caprichar nas implicâncias.

- Eu jamais faria isso, respeito sua privacidade e não há razões. - Antônio passou os braços sobre os ombros da moça e a envolveu em um abraço forte. Depois foi até a sacada do apartamento e acendeu um cigarro.

- Droga! Você é tão perfeito e eu só faço besteiras. Desculpe amor, juro que não vou mexer nas suas coisas. Prometo. – Laura caminhou até Antônio, ele ainda olhava as luzes da cidade quando ela começou a se esfregar. A sensação de estarem na sacada, praticamente à vista do vizinho, caso este fosse tomar um ar, mexia com o imaginário da moça. Perigo, libido e a sensação de estar sendo observada. Laura estava muito excitada e gemia baixinho... o roupão caiu no piso frio e ela riu baixinho.

- Laura, está louca? Ah! Você não tem jeito, vamos entrar amor. – Ela deu uma risada divertida e lambeu a nuca do namorado, as mãos movendo-se por todo corpo de Antônio, em segundos estavam na cama fazendo as pazes.

No mês seguinte, ela já tinha sua própria gaveta na cômoda da casa do namorado, chinelo e escova de dente. As frutas e geléia preferidas na geladeira. Uma opinião ali, um quadro de presente, o edredom com pouco uso que ficou perfeito com a cor do quarto de Antonio, que um dia se pegou tomando banho e usando o xampu de Laura com naturalidade. Ela era tão sutil, pensou Antonio, em tão pouco tempo já não reconhecia a própria a casa. Na sala todos os porta retratos exibiam fotos de Laura,haviam vasinhos de violetas espalhados pela varanda, e almofadas bordadas no sofá de couro preto.

Percebeu a presença de Laura no banheiro, enquanto a água quente escorria entre os amantes ele pensou que há muito não ficava sozinho. Naquela semana, ela se mudou de vez e Antonio dividiu o closet com um mundo de sapatos, bolsas e roupas que caberiam em um magazine. Mesmo assim, apenas separou as camisas amassadas pelos vestidos de Laura e mandou passar tudo novamente. Decidiram que seria melhor que ela ficasse em casa, até que alguma boa oportunidade de emprego surgisse. Assim, não iria mais às entrevistas em agencias nem passaria o dia perambulando de escritório em escritório:

- Afinal só servem como desculpas para as mesmas cantadas.- Laura instigava o ciúme do homem.- Sou obrigada a me livrar de todas as formas de assédio, pura perda de tempo, não agüento mais passar por tantos transtornos. Fui uma modelo famosa, agora com a idade...

- Querida, você só tem vinte e seis anos e ainda pode estudar e fazer um concurso público. Até lá o que ganho nos sustentará sem problemas, fique tranqüila e aproveite o tempo para cuidar do nosso amor.- Laura exultou, detestava trabalhar e mais ainda estudar, tudo que desejava era casar rapidamente e garantir o futuro. Antônio era rico, diariamente saía bem cedo para o escritório de advocacia e só retornava à noitinha. Tempo suficiente para que ela vasculhasse gavetas e pastas procurando segredos sobre o passado de Antonio.

Definitivamente eles formariam uma família imponente, Laura olhou a foto dos pais de Antonio com atenção, o casal transpirava poder e dinheiro . Imaginou seu próprio álbum de retratos e sentiu ciúmes por ainda não fazer parte daquela estrutura. Sabia que os futuros sogros viviam praticamente isolados em uma fazenda no interior, tinham por hobby o cultivo da lavoura orgânica para consumo próprio e nunca vinham à capital. Antonio os visitava quinzenalmente, desde o início da relação Laura desconfiava quando ele passava o final de semana fora de sua vigilância. Antonio explicou que eles eram um pouco arredios, não recebiam visitas, mas que no futuro os apresentaria. Laura decidiu que iriam assim mesmo, recusas não faziam parte da sua vida, ela iria inverter a situação ao seu favor. Decidiu tomar um longo banho e vestir a melhor lingerie para esperar Antonio:

- Amor! Sei que estou pedindo muito, mesmo assim quero conhecer a fazenda e ser apresentada aos seus pais. Minha família toda já te conhece, sei que eles vão gostar de mim, todo mundo me adora!- Laura aproveitou a pausa após o sexo gostoso.

Comendo sorvete direto do pote, fazendo pose, exibindo do corpo bem feito, era a imagem da sedução. Recostada nos travesseiros altos, olhou o amado no lado oposto, brincando com seus pés, o esmalte vermelho era o fetiche que mais o agradava. Laura gostava muito de receber e mais ainda, dar prazer, o que para muitos era complemento, para ela era o ponto mais forte da relação.

Laura perdeu as contas de quantos homens havia literalmente deixado de quatro, prontos a obedecer, ceder, e fazer qualquer coisa por ela. Foram viagens, carro do ano, jóias, desde os tempos da faculdade, onde teve um caso com o diretor e formou-se, sem jamais ter lido qualquer livro. Com o tempo, eles perdiam o interesse ou ela enjoava da cara do amante. Nem precisava se esforçar, os homens sempre apareciam em sua vida. Companhia nunca havia sido problema, amigas nem tanto, não tinha nem queria competição e inveja. Engatava um caso em outro, alternando empresários, negociantes, atores, todos com dinheiro suficiente ou poder. Bandido ou mocinho, Laura queria ser bajulada, passear e se divertir sem preocupações. Algumas vezes metia-se em apuros. Uma ou duas vezes as coisas ficaram feias e ela conseguiu contornar e sair ilesa, para isto contava com a ajuda do pai.

De qualquer forma, sentia orgulho de ter tanto, em tão pouco tempo e com tanta facilidade. Melhor ainda, todos descartados sem esforço. E tudo que precisou fazer foram alguns telefonemas bem interpretados, pequenas mentiras e uma ou outra visita de agradecimento. Após a solução do problema, porque Laura sabia cobrar como ninguém e não tinha falsos pudores.
Com o namorado atual, não foi diferente, fácil demais, muito fácil mesmo! Ele havia acabado de mudar para o mesmo flat, eram vizinhos de porta e freqüentavam a academia no mesmo horário, viviam se esbarrando no elevador e trocando olhares. Laura trocava de endereço constantemente, não ficava mais de um ano em qualquer lugar, evitava fazer amizades com vizinhos e mal cumprimentava os porteiros. Quando conheceu Antônio sentiu uma atração imediata e inexplicável. Acompanhou os horários do homem e planejou os encontros casuais para puxar assunto sobre qualquer coisa, neste meio-tempo detalhes como os ternos perfeitos, o relógio caríssimo e o poder que o homem exalava, deixavam-no ainda mais atraente.

Ele tinha um quê de intimidade que ela não conseguia entender, sentia-se completa quando conversavam sobre coisas triviais, sempre assuntos que ela adorava tagarelar horas a fio e ninguém tinha muita paciência para escutar. Ele parecia adivinhar seus desejos, o chocolate preferido, a cor das rosas e a generosidade nos pequenos presentes caríssimos. Durante um mês apenas conversaram e Antônio conquistou de vez o coração de Laura. O início do namoro aconteceu após uma sessão de cinema, neste dia Laura entrou pela primeira vez no apartamento de Antônio e sentiu que não queria mais sair daquele lugar. Era bem decorado e feito sob medida para seu gosto, na cama ele também não deixou nada a desejar.

Além do mais parecia rico o suficiente, bonito o bastante, amante regular e completamente mão aberta. Laura deixou o trabalho na segunda semana de namoro, alegou que o pai mandava uma mesada e preferia esperar uma boa oportunidade. Mentiras e mais mentiras. A família falida vivia do que Laura depositava na conta da mãe, pois o pai era viciado em jogo, sempre viveu com os sogros, e nunca foi nada além de um golpista.

Laura aprendeu muito com o pai, secretamente seu maior incentivador e único amigo. Ele que tinha a mesma frase na ponta da língua, havia ensinado:

- Sempre há um otário e um vigarista, o mundo é dos espertos.- Ela concordava e deixava que ele a abrasasse um pouco mais forte, dando-lhe a impressão de ser a melhor coisa que havia em sua vida. O bem mais precioso. De alguma forma, não era mentira, e na ultima visita aos pais anunciou o casamento derradeiro:

- Encontrei a pessoa certa, vocês irão conhecer em breve o homem da minha vida. Rico o bastante e completamente apaixonado por mim. Obedece todas minhas vontades e compra tudo que quero.- Ela rodopiou, exibindo o vestido de uma griffe caríssima e mostrou as mãos cobertas de anéis.

Mas desta vez algo estava acontecendo, apesar de ter vasculhado a vida do namorado, ninguém era intimo o suficiente, ele era um homem sem passado, em uma cidade imensa e apressada. Nem na empresa onde gerenciava um posto alto, Antonio tinha amigos íntimos ou participava de clubes fechado, rodas de empresários ou festas. Laura não havia descoberto absolutamente nada. E isto fazia Laura delirar de curiosidade. Sentia orgulho em ter sido escolhida entre tantas, para Laura fazer parte da vida de Antonio significava o quanto era especial. Praticamente uma mulher perfeita para um homem maravilhoso.

Antonio tocou o tornozelo e subiu até as coxas da mulher, a pele suave e macia sob suas mãos tremeram. Laura soltou um gemido fraco e num impulso, derramou um pouco do doce entre os seios, o sorvete de chocolate escorreu para a barriga e ela com um dedo traçou um desenho até o umbigo e sorriu.
Ao final da tarde, estavam fazendo as malas e pegando a estrada, quase oito horas de viagem até a fazenda, mas Laura estava muito feliz:

- Amor, eles sabem que eu estou indo? Ficaram contentes em me conhecer?- Ela apoiou uma das mãos na perna de Antônio e com a outra, mexia no som, trocando as estações sem gostar de nada.

Antonio dirigia concentrado na estrada movimentada, Laura continuou os carinhos, tentando abrir o zíper do jeans com as pontas dos dedos:

- Por favor, não quero provocar um acidente, pode ficar quieta um pouquinho?- Imediatamente ela se empertigou e fechou a cara, respirando pesadamente.

Duas horas depois, a música suave tocava em silencio absoluto e Laura avaliava se estaria valendo a pena agüentar o mau humor de Antonio. Pela primeira vez as feições duras, as linhas sulcadas no rosto expressivo e forte, deixaram-na entrever um homem que nada tinha de maleável e submisso. Um jogador reconhece o perigo e ela começou a se preocupar:

- Amor, porque não paramos na próxima cidade e procuramos um hotelzinho romântico? Vamos deixar para conhecer seus pais para outro dia? – A voz saiu trêmula, ela tentou fazer o beicinho que antes ele adorava.- Antônio demorou tempo demais para responder, com uma simples negativa movimentou a cabeça e fez um muxoxo.

- Antonio, desculpa mas vou descer no próximo posto ou me deixe aqui mesmo na estrada. Você está me assustando, nunca me tratou assim e eu não quero mais viajar com você. Era para ser um passeio romântico e virou um pesadelo.

- Cale a boca! – Ele falou baixinho.

- O que? Está louco? O que está acontecendo? Vou sair desta merda agora, não tenho nada a ver com sua doideira, aqui não fico!- Laura tateou a maçaneta do carro ignorando a velocidade que trafegavam, estava realmente preparando-se para pular sem medir as conseqüências.

O carro foi jogado no acostamento e Laura não teve tempo para reagir ao soco no rosto, a última coisa que viu foram os olhos injetados de uma fúria até então, desconhecida. Desmontou como uma boneca de pano, Antonio abriu o porta luvas e pegou uma corda fina bem resistente, principalmente depois dos nós apertados que imobilizaram as mãos da mulher. Mais para revidar as ofensas do que propriamente garantir que Laura escapasse, deu alguns tapas fortes no rosto bonito e sorriu. Notou as manchas roxas que já começavam a surgir na pele claríssima, e sorriu novamente. Da boca machucada de Laura, um filete vermelho confundia-se com o batom borrado.
Tornou a rir mais alto e quase aliviado. Reclinou o banco e apertou o cinto de segurança, ajeitou a cabeça de forma que ela parecesse estar dormindo. Mentalmente refez as contas e calculou que em mais duas horas estariam na fazenda.
A noite estava bonita e a lua iluminava a estrada deserta, enquanto dirigia pensava no quanto gostava daquela calmaria, do silencio da madrugada e do cheiro do campo. Aumentou o som e cantarolou uma de suas canções preferidas.

Castigo

Laura sentiu dor nos pontos inchados onde havia sido socada, depois ódio de si e do homem que a enganou. Em seguida olhou ao redor, procurando alguma coisa além da cadeira onde estava amarrada, a sala grande e bem iluminada exibia as paredes nuas e o chão de cimento queimado. Não havia janelas, apenas uma porta de ferro e o sistema de refrigeração ligado no mínimo, renovando o ar sem qualquer ruído.

A moça fechou os olhos, estava com medo e não podia perder a razão. Lembrou que já havia sido presa com um namorado traficante, ele negociou a liberdade de Laura às custas de muitas humilhações e sexo com vários homens ao mesmo tempo. Foi ali que ela decidiu agir de forma inteligente, largou as drogas e passou algum tempo afastada de tudo e todos. Completamente refeita, um ano após o incidente mudou-se para um bairro bom e começou vida nova, tudo parte de um plano para conhecer algum tolo com dinheiro.

Ela escolheu Antonio como aposentadoria, fim de carreira em que ele seria seu golpe derradeiro, tinha sido fácil demais e ele nunca negava nada, parecia um joguete em suas mãos. Com raiva, admitiu que não seguiu seus instintos quando quis aquele homem, agora ela estava a mercê de um completo estranho em que ela apostou tudo em menos de três meses de convívio. Recordou outros dissabores e reuniu forças para enfrentar o que estava chegando, ouviu os passos nos degraus e finalmente a chave girou na fechadura.

Antonio e um casal entraram em silencio e durante algum tempo a observaram, finalmente Laura sussurrou:

- por favor, eu não sei o que está acontecendo com Antonio, ele perdeu o juízo e vocês precisam me ajudar.- Reconheceu a senhora da foto vista no apartamento, só que ele parecia muito mais velha, percebeu que o homem era mais idoso ainda, ambos mantinham a expressão fechada e austera.

-Cale a boca!- gritou o homem com a voz rouca e cortante. -A boca retraída e ligeiramente torta, sinal claro da seqüela de um derrame. As mãos agitaram-se nervosas e ele começou a chorar copiosamente. Imediatamente foi amparado por Antonio e retirado da sala, antes de sair a mulher olhou Laura com firmeza:

- Você vai pagar tudo que fez com minha família, gostaria de assistir cada minuto da sua agonia mas meu marido precisa de mim. Esperamos muito por este dia.

- Mas porque tanta raiva? Eu não os conheço, nunca os vi antes e há muito pouco estou com seu filho. Não me deixe aqui assim, a senhora não tem piedade?- Laura chorava. A senhora aproximou-se e ambas respiravam profundamente:

- E você teve piedade de Julio? Você não se lembra, estava mais preocupada com os fotógrafos. Durante o velório do meu filho, vi sua frieza, ouvi seus comentários com as amiguinhas que te acompanhavam. Eu estava lá, mas não fiz parte daquele circo de maldades. Meu filho suicidou-se com um tiro na cabeça em um cortiço imundo, um jovem cheio de vida e com um futuro inteiro pela frente.

- Julio! Julio Guedes? Isto foi há três anos. Eu era uma idiota que não tinha a menor noção do que estava fazendo, isto não pode estar acontecendo!- Laura enfrentou o tapa no rosto, a mão da velha eram fracas demais para machucar, encarou os olhos frios com ódio.

- Julio Guedes. Meu filho tirou você das ruas , deu tudo que você pediu e sonhou, quis te dar uma vida decente. -A mulher acentuava o você, apontando o indicador para o rosto de Laura. - Você o deixou morrer sem socorro, naquele buraco cheio de drogados enquanto fugia com seu cafetão. E ainda foi ao enterro com a cara mais cínica do mundo. Se não fosse a idade, eu mesma te daria uma lição! – Neste momento Antonio aproximou-se e retirou a mãe da sala.

- Mas não entendo, seu nome é Viegas e não Guedes. Como eu poderia saber que era seu irmão? Por favor, pare com isso Antonio.

Laura começou a chorar e sentiu o corpo tremer de medo e frio. Havia conhecido Júlio em uma festa de um grande laboratório químico, imediatamente ela se informou com conhecidos e como era rico o bastante, terminaram a noite em um apartamento no melhor bairro da cidade.De repente lembrou que ele havia dito que os pais eram cirurgiões conceituados, da alta sociedade paulista e trabalhavam em um hospital famoso. Julio queria que ela freqüentasse bons lugares, brigavam porque Laura só se interessava por baladas e tomava qualquer porcaria alucinógena. Apaixonado e com dinheiro suficiente para bancar suas loucuras, Laura foi enredando Júlio completamente, arrastando-o para seu mundo podre.

Imediatamente Laura fez com que ele experimentasse as drogas que usava na época, induziu o consumo ao máximo e foi tirando o lucro com o traficante que também era seu amante. Laura havia colocado esta fase da vida em um lugar bem distante da memória, mas agora ela retornava com força total e não eram imagens bonitas. Havia sido totalmente egoísta quando Júlio começou a pressionar para que fosse somente dele, não acreditou nas ameaças de suicídio nem quando ele fez a última ligação pedindo ajuda. Usou os contatos e seu nome nunca foi relacionado ao rapaz, como a família havia descoberto o que ela havia feito era um completo mistério. Laura começou a gritar que precisava ir ao banheiro, depois chorou sentindo a urina escorrer pelas pernas nuas, o vestido leve de verão grudado de suor começou a exalar um odor acre. Ele a olhou com repulsa e com auxílio de uma tesoura arrancou as roupas sujas da mulher.

Laura sentia sede e o estomago vazio doía, uma risada nervosa escapou quando pensou nos chocolates que deixou de comer por causa de dietas. Calculou que estava sentada há pelo menos dez horas, havia perdido a noção do tempo e a única coisa que importava era encontrar uma forma de sair dali viva. Os olhos de Antonio eram duas bolas de fogo sem o menor resquício de emoção. Ele ficou algum tempo parado analisando o corpo da mulher, depois começou a traçar com uma caneta várias linhas e rabiscos. Laura não conseguiu gritar quando ele mas o horror aumentou quando ele saiu rapidamente da sala. Voltou minutos depois empurrando um carrinho com instrumentos de corte, facas, bisturis e outros que ela jamais havia imaginado ser possível construir:

- Você não sabia que Júlio era estudante de medicina? Queria ser cirurgião como nosso pai, mas infelizmente te conheceu e o final foi nojento. Seis meses e ele perdeu a vontade, a decência, os valores e finalmente a vida. Eu segui meu irmão nas noitadas, tentei de todas as formas tirar ele deste inferno, até mandei oferecer dinheiro pra você deixar o coitado em paz.

- Eu não aceitei. Lembro que um amigo dele quis me dar um cheque em branco, mas eu recusei porque gostava de Júlio. De verdade. Ele era viciado, nunca obriguei seu irmão a consumir nada. Ele era um maldito drogado! Que merda! – Antonio começou a socar a mulher com toda raiva, no início ela reagiu, depois Laura foi perdendo as forças e parou de gritar, chorar e passou a aceitar o castigo em silencio. Quando as mãos de Antonio pressionaram o pescoço frágil , sentiu-se quase aliviada porque o final pareceu próximo. A porta foi aberta de supetão pelo pai de Antonio que o arrastou para longe, Laura entorpecida pensou em salvação e resgate:

- Eu estou grávida! Eu estou grávida! Era isso que eu ia contar para sua família, seu idiota.- Laura começou a rir. Descontrolada soltava gargalhadas, depois começou a balbuciar coisas desconexas e palavrões.

- É mentira desta bruxa! E eu jamais ia querer ter um filho com ela. Pai vamos acabar logo com isso, o senhor prometeu que iríamos nos livrar desta vagabunda.
Laura sentiu uma picada no braço, em seguida a sala começou a rodar e a sensação era conhecida.

Finalmente ela relaxou. O pai de Antonio reclinou a cadeira ao máximo, imediatamente a esposa trouxe soro e eles cuidaram de Laura, coletaram sangue para exames e limparam os ferimentos. Em silencio trabalharam por algumas horas, quando terminaram removeram a moça para uma cama hospitalar.
Laura estava com o rosto enfaixado, a dor no maxilar era insuportável ela começou a gemer. Alguém checou seu pulso, um analgésico foi administrado e logo a dor diminuiu e ela voltou a dormir:

- Gostaria de ver esta mulher morta! – Antonio olhou o corpo da moça com desprezo. Apesar do ódio que nutria, em nada adiantaria pedir aos pais que a matassem. Era assunto encerrado, eles haviam decidido com muito cuidado cada passo e ele não podia interferir.

Antonio voltou para casa naquela noite, deixou Laura com os pais e iniciou a segunda parte do plano. No dia seguinte a firma de mudanças chegou cedo ao apartamento e em pouco tempo tudo que tinham foi encaixotado e levado para um depósito. No trabalho Antonio era o retrato da felicidade, animado com a transferência para o exterior, não escondia o entusiasmo e a todo momento recebia ligações da namorada. Em vinte dias partiria para a matriz, ocuparia um cargo superior e a promoção daria um novo impulso à sua carreira. Antes que a família de Laura a procurasse, Antonio marcou encontro com o sogro em um restaurante e entregou um pacote volumoso:

- O que significa isso Antonio? Porque minha filha não veio?

- Estamos de partida para Londres e não quero que vocês continuem explorando minha mulher. Aceite isso como um presente de despedida, estou sendo generoso até demais.- Ato contínuo, empurrou o envelope com cem mil reais.

- Quero falar com Laura, isto é ultrajante!- O homem discretamente conferia o dinheiro sob a toalha da mesa.

- Vai ser impossível, ela escolheu manter nosso relacionamento e a sua péssima reputação em nada contribui. O senhor é um homem sujo na praça, conhecido por seus golpes e cheio de dívidas de jogo. Use este dinheiro como quiser, mas não nos procure para pedir mais nada, é nossa última ajuda.

- Você tira vantagem por ser rico e faz o que quer, espero que minha esposa não adoeça com tanta ingratidão.

- Dê lembranças à sua esposa e em breve Laura enviará um email, quem sabe fotos da casa nova?

Antonio deixou o sogro falando sozinho, respirou o ar gelado enquanto caminhava pelas ruas e sentiu-se mais leve. Gesto automático ligou para os pais e conversaram em código, tudo corria bem e não havia com quê se preocupar. Em poucos minutos entrava no condomínio luxuoso e exclusivo. Na guarita um senhor cumprimentou:

- Boa noite senhor.- Antonio sorriu simpático e seguiu adiante.

A casa permaneceu intocada desde que ele partira, todos os pertences de Júlio estavam ali e com eles as melhores lembranças de Antonio.Não eram irmãos de sangue, os Guedes haviam adotado Antonio aos três meses, quando o encontraram doente e abandonado pela família. Foi assim que eles cresceram juntos, descobriram a vida e foram felizes até Laura aparecer. Antonio não entendeu a obsessão de Júlio e pararam de se falar, odiou a mulher que os separou e durante todo o tempo em que Julio e Laura ficaram juntos, eles os seguiu ou mandou vigiar. Tentou alertar Julio sobre Laura e não conseguiu, perdeu seu único amor, o melhor amigo e tudo que realmente o fazia feliz. E jurou se vingar, mesmo que custasse tudo que ele mais prezava, mesmo que ele tivesse que mentir e ser outra pessoa.



Londres


Ninguém imagina o quanto odeio Antonio e sua maldita família, detesto tudo e todos, inclusive a criança que fui obrigada a gerar. Deixei o Brasil e vim com Antonio e os pais dele sob ameaças, o tempo inteiro me vigiaram e tive uma gravidez péssima. Passei a gravidez deitada, trancada em um quarto e sendo examinada pelo pai de Antonio diariamente. Quando tentei fazer greve de fome, fui alimentada via sonda e amarrada. Preferi voltar a comer e ganhei uma televisão e um som. Daquele dia em diante aceitei que não conseguiria fugir, minha barriga pesava e sentia dores se tentasse caminhar. A cama confortável era a melhor opção, eu sentia sono o tempo inteiro e os dias passaram rápido.

Quando cheguei ao casarão torcia pelo dia da fotografia, era a única vez que saía para o jardim e outros aposentos da casa. Toda a família se reunia em várias poses, desde o início da gravidez foi assim, mês após mês fizemos fotos sorridentes em ocasiões forjadas. Normalmente eu aparecia sentada e eles se movimentam ao redor. Antonio e a mãe compravam vestidos de alta costura próprios para gestante, só me restava exibir um sorriso convincente e fazer cara de feliz. Naquela época minha única restrição era não fazer esforço, fora isso eu podia ler, dar pequenos passos e com ajuda da enfermeira tomava banho e me vestia.

Depois do nascimento de Julinho, perdi os movimentos e mal consigo articular uma simples sentença. Felizmente com a doença não precisei participar das malditas fotos, fiquei livre das gracinhas do bebê desconhecido. Acho que ele envia fotos da criança para minha família, que devem estar abismados com a beleza da propriedade e todo o resto. Antonio também manda algum dinheiro em meu nome para meu pai, ele sempre se gaba de ser muito esperto, mas eu quase consegui fugir durante a viagem, se não fosse a medicação contra enjôo que me deixou dopada, eu teria pedido socorro.

Não posso fazer nada, sou prisioneira do meu próprio corpo, durante o parto sofri um acidente vascular que me transformou em uma inválida. Fui obrigada a assinar alguns papéis para ter o bebê em casa, não sei como eles conseguiram consentimento com uma gestação tão complicada. O dinheiro compra tudo. Desconfio que meu acidente foi proposital, perdi a fala, pouco me movimento e passo os dias sob os cuidados de uma enfermeira sob supervisão da mãe de Antonio. Uma velha ruim, que me odeia e faz o possível e impossível para tornar minha existência pior. A única distração é a televisão e como não falo inglês, passo o tempo imaginando o que eles dizem. Antonio algumas vezes vem me ver, ele gosta de me torturar detalhando mil formas como gostaria de me matar, ele conta cada detalhe com a maior satisfação e eu não demonstro a menor emoção, depois choro e o amaldiçôo.

Desde que os pais dele vieram viver conosco por causa do neto, remoçaram e parecem felizes com o menino. Julinho é bonito e esperto, não sei se gostaria de pega-lo e beijar seus cabelos, sentir o cheirinho de bebê e ter meus direitos de mãe. Sempre penso que se esta criança não existisse eu estaria morta, o que seria muito melhor que a vida miserável que me obrigam. Nestas horas poderia jogar o bebê da janela mais alta desta casa nojenta, depois iria aos jornais e contaria minha historia sórdida e eles estariam acabados. Não tenho instintos maternais ou eles foram destruídos quando me prenderam nesta cama . Sinceramente eu não sei.

Quando Julinho estava com quase um ano, Antonio trouxe um médico para me examinar e eu pensei que fosse um especialista para me ajudar . Mais tarde vieram me contar que tudo não passou de encenação, era bom pedir uma segunda opinião para confirmar o tratamento do pai de Antônio. Minha imaginação correu solta e pensei em mil formas de vingança, desejo o tempo inteiro uma única chance de colocar as mãos em todos eles.
Antonio e o pai discutiam na biblioteca, afundados em sofás confortáveis de couro bebericando chá forte enquanto a lareira aquecia o ambiente:

- Pai. Por favor, não suporto conviver com ela. Para que tudo isto? Posso conhecer uma mulher muito melhor e ser feliz de verdade. Não entendem que minha vida está péssima? Quero me libertar deste pesadelo.- Antonio fechou os olhos. Estava verdadeiramente cansado.

- E o que sugere? Que eu a mate? Para todos ela sofreu um problema no parto, mas se descobrirem a verdade...

- Ela pode ter outro ataque fatal, sei lá mas nos livre desta coisa, pelo bem de Julinho que daqui a pouco vai começar a entender e fazer perguntas. Pai, o senhor não vai viver pra sempre, eu não sei o que fazer com Laura...

-Ouça, posso diminuir as doses da medicação e ela vai recuperar alguns movimentos, vamos simular um suicídio e tudo vai parecer aceitável. Induzimos o estado atual após o parto, foi fácil porque estávamos em casa e a enfermeira é tão inexperiente que a mantemos até hoje cuidando da megera. Eu mesmo continuei administrando os medicamentos e o tempo fez o resto, Laura hoje é mais doente que o desejado.

- Os pais de Laura podem desconfiar, vou gastar uma boa quantia para que nos deixem em paz.

- Já pensei nisto, por este motivo ela precisa de alguma melhora e depois como é vaidosa não vai querer viver desta forma. Laura está acabada, não consegue falar e mal fica de pé. Suicídio é muito plausível, vou chamar um bom fisioterapeuta e ela vai começar a fazer hidroterapia.

- Pai, lembra dos papéis que ela assinou para fazer o parto em casa?- Antonio serviu-se de mais chá e jogou um torrão de açúcar no liquido fumegante.
- Claro que sim, mas não quero pensar nisso agora. Ainda há muito pela frente e não vamos nos precipitar.

A piscina era enorme e Laura sentiu medo, agarrou os braços da cadeira de rodas com força e recusou ajuda para entrar na água quentinha. Antonio explicou que ela podia confiar no profissional, a enfermeira também estava ao lado dela, o que poderia acontecer com tanta gente ao redor? Laura era desconfiada e não aceitou, no dia seguinte Antonio trouxe um salva vidas e outra enfermeira.

Laura aos poucos se acalmou e permitiu que a tocassem, começaram muitas séries de exercícios onde os músculos foram trabalhados, após tanto tempo a moça sentiu dores e alguma esperança, antes não tinha qualquer reação. Sob vigilância dos pais de Antonio e da enfermeira, o profissional passava algum tempo com Laura na piscina, um dia trouxeram Julinho e ela brincou com o filho pela primeira vez.
Seis meses se passaram. Um pouco de paz apareceu no semblante da paciente e ela passou a sorrir com mais facilidade e tratar os pais de Júlio sem a ironia maldosa que eram sua marca. Laura fazia progressos, o fisioterapeuta e toda a equipe estavam exultantes. Feliz com os resultados ela começou a traçar muitos planos:

- Antonio, você poderia me levar para passear de carro? Queria tanto ver a cidade. – Não houve resposta, eles estavam na sala de estar tomando chá e assistindo as artes de Julinho.

Pela primeira vez os pais de Antonio a olharam com alguma simpatia, Laura sentiu que eles estavam amolecendo com o neto e seu próprio comportamento:

- Eu compreendo que não mereço, desculpe ter pedido.

- Laura, eu a levo para dar uma volta se Antonio concordar. – A mãe de Antonio sorriu, os homens suspiraram longamente e logo Laura estava sentada no banco do carona, pronta para seu passeio.

Foi a primeira de várias outras ocasiões em que eles passaram a incluir Laura. Pareciam estar aceitando com naturalidade que o tempo estava curando e as mágoas sendo gradativamente atenuadas. No aniversário de três anos de Julinho, Laura já movimentava a cadeira de rodas sozinha, um modelo adaptado com botões de controle, extremamente leve e fácil de manusear. Podia andar pela casa e usar o elevador para ir onde quisesse, desde que acompanhada pela enfermeira e a mãe de Antonio.
A firma contratada para a festa havia acabado de chegar com mesas, toldos e todo o aparato para montar.

Laura assistia da janela do quarto, naquele dia ela não poderia descer por causa dos convidados, Antonio não achava seguro e vetou sua presença. Desejou poder andar e assistir Julinho cantando parabéns, aprendeu durante o tempo em que passaram juntos a gostar do menino. Sentiu a raiva reascender novamente, eles não tinham o direito de fazer aquilo com a mãe do aniversariante, ponderou em voz alta e assustou-se. Ela estava falando, ela podia falar e eles não sabiam. Que grande trunfo tinha nas mãos.
Duas horas da manhã a casa dormia, Laura moveu as pernas lentamente e escorregou pelo colchão.
O corpo leve não fez qualquer ruído no tapete espesso, começou a rastejar por todo o quarto até a porta. Destrancada. Apoiou as costas contra a parede do hall e recuperou o fôlego, continuou a se movimentar mais rápido, parou na terceira porta e testou. Mal respirava quando entrou no quartinho azul, a babá dormia e o menino também. Laura sentiu raiva da mulher que passou toda a festa exibindo Julinho, tomando o lugar que era dela por direito, um pequeno punhal abriu a garganta da moça antes que ela pudesse esboçar qualquer ruído. Aproximou-se do berço e ficou de joelhos, puxou a ponta do cobertor e deparou-se com um boneco em tamanho natural. Completamente confusa, tentou gritar quando Antonio e os pais atravessaram o quarto em sua direção, com a mão em riste ela tentou atingi-los com a faca. Antonio a desarmou com facilidade, mesmo debatendo-se ele a carregou até a cadeira de rodas e tomaram o elevador. Antonio e os pais encaravam Laura friamente:

- Sabíamos que você não tinha cura, na primeira chance iria matar novamente. É seu instinto Laura, um instinto ruim. É uma assassina, pronta para matar o próprio filho.- Antonio a olhava com desprezo.

- Que filho? Nunca quis este filho, nem você queria nada disso. Seus pais te obrigaram, eu pelo menos sou sincera. – Encarou os velhos e sustentou.

- Laura, sabe que matar a babá e machucar o bebê foi um ato de loucura. Agora está tão arrependida que sua única saída é o suicídio.

- Suicídio? Eu ia matar todos vocês e contar o que fizeram comigo, com certeza não seria condenada. Aqui os monstros não sou eu. Hipócritas. – Antonio levou até a parte mais funda da piscina e Laura olhou seu reflexo na água azul claro. O cheiro de cloro tão querido nas sessões de hidroterapia, agora queimavam suas narinas.

Imediatamente a mãe de Antonio surgiu com Julinho nos braços, ele ainda dormia e ela começou a desenrolar as mantas da criança:

- Tem certeza que não vamos machucar o pobrezinho? Ele está tão quentinho.

- Vamos com isto mãe, coloca ele na borda da piscina e saia. Não tão próximo senão ele vai engatinhar para a água. – Antonio deu um único empurrão nas costas da cadeira.

Ela afundou rapidamente, as rodas tombaram de lado e Laura presa pelo cinto de segurança. Em silencio assistiram até que ela ficasse completamente imóvel. Os segundos pareceram longos demais para todos. Rapidamente deixaram o lugar e voltaram para seus quartos.
Julinho começou a chorar assustado com a escuridão, a criança não se moveu no chão frio e molhado. Ele gritou pela babá, o pai e os avós. As luzes da casa se acenderam, todos correram de um lado para o outro, a enfermeira gritou quando descobriu o corpo da babá e Antonio encontrou o filho na piscina com a ajuda da cozinheira. A policia chegou logo depois e o corpo de Laura foi resgatado, uma semana depois o funeral foi autorizado. Após investigações decidiram que Laura havia se suicidado após cometer o homicídio.
Os amigos apareceram para consolar Antonio, todos sabiam que a mulher sofria de depressão e seqüelas terríveis após o parto complicado:

- Ele estava tão animado com as melhoras de Laura, ela vinha respondendo tão bem à fisioterapia.

- Ela esperou ficar bem para se matar, é da doença eu vi em um programa na televisão. Ela matou a babá e não teve coragem de matar o filho.

- Ainda bem, senão Antonio enlouqueceria. Olhe como está mal, vamos cumprimentar os pais dele e expressar nossos sentimentos. – As duas colegas de escritório de Antonio seguiram caladas até o casal, a avó com o netinho no colo mal podia responder.

O final de Laura ocorreu com discrição, em seu testamento ela pediu para ser
cremada e deixou um seguro de vida em nome do filho e alguma coisa para os pais. Eles preferiram economizar e não compareceram, alegaram que ela havia sido uma filha tão boa, que com certeza compreenderia de onde estivesse.

mercoledì 7 luglio 2010

Alice no País das Maravilhas (Alice In Wonderland, EUA, 2010 - DIsney) de Tim Burton por Giselle Sato






Não esperava nada convencional de Tim Burton,para ser sincera queria que ele me surpreendesse, como sempre fez em todos os seus filmes. E não saí nem um pouco decepcionada, assisti a incrível jornada de uma Alice que cresceu e precisou descobrir sua verdadeira história para seguir em frente.

Neste conto de fadas, a protagonista para ter um final feliz, vai lutar para provar que faz por merecer. A adaptação tem momentos mágicos, efeitos lindos como convém à uma produção deste nível, e principalmente o toque irreverente do diretor. Nada é por acaso nas cenas de Tim, se observarmos atentamente Alice está repleta de questionamentos, sátiras e subterfúgios.

O filme começa mostrando um pouco da infância da menina Alice, atormentada por pesadelos vívidos, vivenciando questionáveis sonhos que mostram um mundo estranho, repleto de aventuras com seres fabulosos. Mas o pai de Alice é um negociante visionário, que segue seus impulsos no ramo das grandes viagens de navio, em busca de novas terras. Tão sonhador quanto a filha, ele nada vê de errado em ter imaginação e fantasias. Diferente de muitos os pais que vivem reprimindo os pequenos, a menina partilha com o pai uma normalidade condescendente, adiantada para a época.

Enfim somos apresentados à Alice Kingsleigh, uma jovem distraída em devaneios, viajando com a mãe em uma bela carruagem. De cara ganha a simpatia ao dizer não aos espartilhos, um ponto de ousadia comedida. Ou seja, a menina não é tão frágil quanto aparenta. Aos dezenove anos durante uma festa planejada, recebe uma proposta de casamento precoce e precisa se decidir: aceitar as obrigações da sociedade vitoriana, nada condescendente com as mulheres ou compreender o que seus sonhos ocultam? Descobrir quem é a verdadeira Alice parece ser seu maior desafio.

Neste momento, a jovem vê um coelho vestido correndo pelos jardins, intui que o conhece e põe em duvida sua sanidade, visto que tem uma tia completamente doida e teme terminar da mesma forma. Ela pensa, repensa e no final decide dar uma chance às suas dúvidas. O impulso de Alice em seguir o coelho, a levará ao buraco e passagem para o mundo subterrâneo. É o inicio da grande aventura.

Afinal te uma fala que resume tudo:“Você é completamente pirado. Mas, vou te contar um segredo. As melhores pessoas são assim…”

De Alice para o Chapeleiro Maluco.

Quando pensamos na Alice no país das maravilhas original, de Lewis Carol, vem logo a imagem do chapeleiro, o gato e a rainha ordenando: - cortem-lhe a cabeça! – São frases, personagens imortais no imaginário e coração das crianças de todas as épocas. A Alice criança saiu-se bem com a vivacidade, imaginação e espontaneidade típica dos nove anos.

Mas Tim Burton mandou Alice de volta aos 19 anos para o país das maravilhas e lá ela reencontra o Coelho Branco e a sábia lagarta Absolem, que deixa que ela resolva se é ou não a verdadeira Alice. A menina Alice que há anos visitou o mundo encantado e é aguardada para livra-los do grande predador, o monstro Jaguarte. Cruel animal que a Rainha Vermelha usa para manter o povo submisso.

Os gêmeos Tweedledee e Tweedledum são uma graça, o Gato de Cheshire , o cão farejador e outros seres, fazem parte do elenco um tanto bizarro com a pitada sombria e imprevisível, marca registrada de Tim Burton. Deixei para o final alguns personagens principais, que junto a Alice dão vida a esta incrível história.

O Chapeleiro Maluco (Johnny Depp), desta vez com imensos olhos amarelados e no tom perfeito, passando de questionador à irreverente sem cair no estereótipo de velhas performances com o mesmo diretor. O Chapeleiro é divertido e impossível não rir das suas tiradas.

A malvada Rainha Vermelha (Helena Bonham Carter), cuja cabeça gigante por si só já garante as risadas. A corte da Rainha Vermelha é uma piada com a aristocracia, bajuladores cheios de horrendos apliques , escondem a aparência normal para não destoar da monarca. Vale ressaltar que Helena Bonham Carter está simplesmente fabulosa neste papel, sua rainha é ao mesmo tempo má, trágica e engraçada. Ela vem acompanhando o marido Tim Burton em suas obras, e só tem acrescentado por seu inegável talento.

A boa irmã da Rainha Vermelha, a Rainha Branca (Anne Hathaway), amada e sensível como toda nobre em apuros precisa ser. Anne consegue dar à personagem, a sensação de uma figura etérea e sublime, mas é ofuscada pelo carisma de Helena.

Finalmente Alice, vivida por Mia Wasikowska, sua atuação nos faz pensar na responsabilidade de uma jovem atriz em encarnar um personagem tão importante na historia. O peso parece leve sob os ombros frágeis da mocinha, encantadora e exatamente como eu imaginei que seria Alice com mais idade.
Não podemos esquecer o figurino perfeito, contrastando com o cenário mágico, a maquiagem e os efeitos especiais. Enfim uma produção que conta com o aval dos estúdios Disney, que garante qualidade e um grande espetáculo.

O livro de Eli - Recensione Giselle Sato


Filmes que se passam em futuros pós-apocalípticos, com direito a lutas e ideais, são sempre um apelo fortíssimo e normalmente grandes sucessos. O livro de Eli possui um atrativo a mais: Denzel Washington em grande atuação, com direito a um final surpreendente, interpretando um enredo inteligente e reflexivo.

Repleto de mensagens subliminares, merece ser assistido sem qualquer preconceito religioso, certamente será mais um Cult e de todo coração espero que permaneça na ficção.
Quem escolhe este estilo de filme, de antemão espera assistir uma saga em um mundo inóspito, com o personagem principal lutando pela sobrevivência e com algum objetivo nobre. O que varia são as pitadas de adversidades, no Livro de Eli encontramos os sobreviventes da hecatombe e as adversidades como a fome, que leva ao canibalismo, falta de água evocando a lei do mais forte e os raios solares, um inimigo mortal que causa cegueira. Eli passa 30 invernos vagando na companhia do imenso volume que protege, vencendo vários obstáculos causados pela natureza e pelo homem. Ele segue a intuição e tenta chegar a um local onde o livro estará seguro, sem conhecer o caminho ele apenas intui a direção. O Oeste.

Eli segue carregando o último exemplar, pois todos foram queimados após a explosão que mudou o mundo e todas as cópias do foram destruídas porque crêem que ele foi a causa do caos. Incansável enquanto o resto do mundo enfrenta as trevas da ignorância, ele lê todas as noites. A nova geração só distingue as necessidades do corpo, não sabe ler e os valores do espírito não interessam nos novos tempos.
E naturalmente há um vilão à altura interpretado por Gary Oldman, o cruel Carnigie é o dono de uma cidade que comercializa água à base de escambo e mantêm a ordem usando uma gangue violenta. Os mesmos homens percorrem desertos em suas motos em busca de um livro, a verdadeira obsessão de Carnigie é obter o poder que o livro irá proporcionar ao dono. No embate temos a jovem Solara, questionando Eli sobre sua convicção e o próprio Carnigie que atribuiu poderes mágicos ao livro.

Começa a esquentar a história, nosso herói é mestre com a espada e há momentos de luta e ação que tanto gostamos nestas sagas. Ficamos imaginando qual o poder que o ambicioso tirano atribui ao misterioso compêndio, afinal desde o início pelos versículos que Eli recita, suspeitamos tratar-se de alguma escritura antiga e sagrada. Se esmiuçar a questão, vou tirar a graça da historia que é justamente entender a razão da determinação do personagem.

O livro de Eli emociona quando nos lembra do poder da palavra, do conforto que não valorizamos e perdemos, do desperdício, da importância da simplicidade e no quanto somos frágeis. No cenário devastado, o guerreiro torna-se primordial para o recomeço da sociedade, trazendo a luz da sabedoria em forma de esperança.

O filme apresenta um personagem que é a fé encarnada, a força acima do sofrimento por um ideal, a crença sem professar qualquer religião ou defender causas e apontar caminhos. O enredo é atual e um dos maiores temores da humanidade. Escolhas, valores, medos, oportunidades, salvação... E mais uma vez a Arte conduzindo, distraindo, encantando e nos fazendo refletir.
Isto é cinema e dos bons!

Sherlock Holmes- recensione Giselle Sato



Se você é conservador, deixe de lado por alguns minutos a imagem clássica do detetive mais famoso do mundo, o lendário Sherlock Holmes de Sir Arthur Conan Doyle. Fique tranquilo, a astúcia, a inteligência dedutiva e lógica brilhante do detetive foram preservados no roteiro, assinado por Michael Robert John¬son, Anthony Peckham e Simon Kin¬Berg.

O principal é o carisma deste personagem, atemporal e tão audaz quanto a proposta renovadora. Tome fôlego e prepare-se para o ritmo frenético que o diretor Guy Ritchie emprestou ao filme, aliado as escolhas acertadas dos atores: Robert Downey Jr, no papel de Sherlock, nesta apresentação conturbada do personagem, está perfeito. Jude Law, fez um Watson, equilibrado, sensato, mas não desprovido de vida própria. A interação entre os atores é evidente, com certeza encontrar o tom perfeito para dar vida aos personagens de peso, exigiu talento à altura.

Se o estilo do diretor peca pelo excesso de ação, prima nos diálogos. Em sincronia perfeita, à dinâmica que impôs à trama, naturalmente instigante, em momento algum, perdem-se ou são enfadonhos. Com mistérios, magias rituais, satanismo e o famoso mote: ciência x sobrenatural, há muito com que trabalhar.

O detetive é fiel aos textos de Doyle pelo menos no quesito habilidades físicas, onde o sempre é descrito como grande conhecedor de artes marciais, excelente esgrimista e pugilista. No filme, ele expõe a prática em lutas bem encaixadas na história. Para os fãs do estilo de Guy Ritchie é puro deleite, os fãs tradicionais podem ou não, achar interessante.

Acrescentando como pano de fundo, a velha Londres, com o habitual clima cinzento, e sua arquitetura original bem conservada. Pelas ruas mal iluminadas, entremeadas por becos sujos, interagindo com a reconstituição dos costumes da época , Sherlock e Watson enfrentam um vilão sobrenatural. Interpretando Blackwood, o assassino que retorna da morte, o ator Mark Strong, defende com vigor seu papel, proporcionando uma memorável cena de luta contra Holmes.

Em um cenário onde os elementos da natureza são aliados ao crescente conflito, o desfecho final é traçado. Sherlock Holmes é um grande filme: bonito, bem feito, com atores brilhantes e um diretor ousado. Tão insolente que ousou usar imperfeições e fraquezas humanas em uma lenda. O artifício causou identificação imediata, intimidade e quem sabe, o prazer secreto de ver este Sherlock Holmes, ainda que por alguns minutos.

Le Fabuleux destin d'Amelie Poulain - Giselle Sato



Se o mundo inteiro, coubesse em um sorriso, seria de Amélie Poulain.
A graça de quem espia e nunca chega perto demais. Lembra as asas da borboleta, tocando de leve, arredia ... O vôo da libélula e dos pássaros. Tudo em Amélie está em perfeita sincronia.

Aceitando o que a vida oferece, sem maiores preocupações: Viver é o desafio diário. O resto é conseqüência.
Caixinha de surpresas, pedacinhos de vida recortados. Primeiro olhar, inesperado, surpreso e inocente. Resguardando sonhos de menina e brincando de ser mulher.
Amélie : descobertas, romance, jeito frágil e atitudes expressivas.
O que existe neste filme tão sutil e inexato? Talvez a personagem, seja a brisa fresca que esperamos a vida inteira. O sopro que nunca chega; sempre adiado e no final permanece desconhecido.

A canção que toca o coração: som de chuva, ninho de passarinhos, flores e carinho. A vida crua ficou lá trás, esquecida em uma esquina qualquer. Hoje é dia de Amélie. O importante, não é contar uma história coerente, o objetivo é despertar.
Trazer saudades de Paris, rir das botinas velhas e pesadas. Como se o calçado, fosse o único fio que prendesse a personagem à terra. Ele está lá, para que ela não flutue, qual balão colorido... A melhor fantasia, o doce mais gostoso, beijos e abraços perdidos.

Finais felizes e sons que despertem a mágica de estar viva. O filme preferido, quando o dia está chato demais. O dom de ser agradável na medida certa. Como um café, no bistrô da personagem...

Os fugitivos- Lonely Hearts- por Giselle Sato



Para quem gosta de um bom filme policial, baseado em fatos reais e com uma psicopata de tirar o fôlego, o filme é mais que perfeito. Tente assistir os primeiros minutos com certa indulgência, a trama precisa começar lenta e explicativa. O drama familiar do detetive vivido por John Travolta, é pesado e fator importante para o desenrolar da historia.

A grande virada começa exatamente com a apresentação de Raymond/Jared Leto . Muito antes da internet, o jovem galanteador já usava os correios sentimentais para escolher suas vitimas. Na maioria, mulheres solitárias, viúvas de ex-combatentes, carentes e crédulas. Até então, Ray é um malandro vivendo de golpes, sem muitas pretensões, além de tirar alguns trocados e sair em busca da próxima vítima.
Tudo muda quando ele conhece Martha Beck/Salma Hayek. Ela responde ao anúncio no jornal e trocam cartas e poesias. Marcam um encontro e ele fica obcecado pela beleza e juventude da jovem. A maioria das mulheres com quem Ray se correspondia, eram mais velhas e sem tantos atrativos. Martha é elegante, tem uma aura de mistério e sedução que o encantam.

A moça imediatamente apaixona-se por Ray, sem no entanto, deixar-se enganar pelo pilantra. Muito pelo contrário, Martha torna-se parceira e transforma os golpes em uma sucessão de homicídios.Questionando lealdade e amor, iniciam um jogo de sexo, poder e sedução.

Com frieza e requintes de extrema crueldade, Martha induz Ray a cometer os crimes como prova de amor e submissão. É interessante observar os pequenos embates entre os amantes, os toques sutis, as trocas de olhares, gestos que dizem tudo e esclarecem os sentimentos confusos de ambos. Ela muito segura, em nenhum momento demonstra remorsos ou sente-se acuada. Seu ponto fraco parece ser, o medo de perder o amor de Ray e as provas deste amor.

Ele apesar de perdido, não consegue lutar contra o poder que ela exerce, submetendo-se a todas as imposições. Cada mulher assassinada, é como dizer: Eu te amo, Martha. E essa é a exigência que Ray não pode resistir.
Enquanto Martha e Ray seguem sua trilha sanguinária, dois detetives do departamento de homicídios de NYC, tentam provar que os assassinatos, são cometidos pelo mesmo criminoso. Há um drama paralelo, vivido pelo personagem de Travolta, que confere ainda mais carga ao roteiro apresentado.
Nos anos 40, é importante ressaltar, ainda não existiam tantos serial killers, e era comum não associar crimes diversos a um único praticante. O mais perturbador é saber que tudo realmente aconteceu, houve uma vez um casal capaz das maiores atrocidades, que vitimou mulheres anos a fio, e que só foram contidos porque um policial acreditou e seguiu seus instintos.
Ele e o parceiro, papel defendido por James Gandolfini, iniciaram uma perseguição aos criminosos sem qualquer crédito, nem colegas ou superiores respeitavam suas suposições. A persistência provou que estavam certos, mas muitas voltas aconteceram até que obtivessem êxito.

Nota especial ao figurino perfeito, caracterização dos atores e atuações brilhantes. Muito mais que um simples filme, Lonely Hearts tem material de sobra para fãs do gênero e interessados de todas as áreas.

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Sinopse




Final dos anos 40. Um casal de serial killers, Martha Beck (Salma Hayek) e Raymond Fernandez (Jared Leto), são conhecidos como "Lonely Hearts Killers". O plano era simples: fraudavam e matavam viúvas de guerra, que responderam anúncios de jornal nos quais Ray se descrevia como um amante latino. Ironicamente ele conheceu Martha desta forma, mas quando se encontraram foi amor à primeira vista, talvez por ambos gostarem de sexo intenso e dinheiro fácil. Ao cometerem assassinatos fazia parte do plano Martha fingir ser irmã de Ray. Enquanto mais mortes aconteciam, os detetives Elmer C. Robinson (John Travolta) e Charles Hildebrandt (James Gandolfini) decidiram fazer qualquer coisa para capturarem Martha e Raymond.
Curiosidades: - O avô do diretor Todd Robinson foi o verdadeiro Elmer C. Robinson, o detetive que investigou o caso dos "lonely hearts killers".

- Esta é a 2ª vez que o caso dos "lonely hearts killers" é levada ao cinema. A anterior foi em The Honeymoon Killers (1970).

Sinopse: Final dos anos 40. Um casal de serial killers, Martha Beck e Raymond Fernandez, são conhecidos como Lonely Hearts Killers. O plano simples consistia em fraudar e matar viúvas de guerra que respondiam anúncios de jornal nos quais Ray descrevia-se como um jovem amante latino.
Ironicamente ele conhece Martha desta forma, mas quando se encontram é amor a primeira vista, ambos gostam de sexo intenso e dinheiro fácil. Ao cometerem assassinatos, Martha usa o artifício de apresentar-se como irmã de Ray e assim, controlar os desfechos dos casos amorosos do parceiro. Enquanto mais mortes acontecem, os detetives Elmer C. Robinson, vivido por John Travolta e Charles Hildebrandt por James Gandolfini, decidem fazer qualquer coisa para capturar a dupla assassina.

Curiosidades- O avô do diretor Todd Robinson foi o verdadeiro Elmer C, Robinson, o detetive que investigou o caso dos lonely hearts killers.

MALIGNA- Giselle Sato






Quando voltamos da feira, cada uma das minhas meninas tinha um pintinho nas mãos e discutiam os nomes que iriam dar às bolinhas de penas. Todas pediam caixas de sapato, panos e faziam mil perguntas:- Mãe, o que ele come? Posso usar o pires para colocar água? Mãe! Precisamos arrumar os coitadinhos, eles estão com frio! Olhe como eles tremem.- Ri das minhas garotinhas, tão felizes com tão pouco.

Estava cansada com as sacolas de compras pesadas, o almoço por fazer e agora pintinhos. Era só o que me faltava! Ainda tentei argumentar que eles não iriam sobreviver longe da mãe, mas o astuto vendedor foi mais rápido e declarou que eram órfãos. Três meninas, uma casa pequena de vila, em um subúrbio quase no fim do mundo. Trabalhando dia e noite na máquina de costura, sem marido para ajudar e contas e contas atrasadas.

A sala transformada em provador para as muitas freguesas apressadas e exigentes. Decidi fazer macarrão, apontei o banheiro e dei as ordens:- Correndo para o banho, vou aprontar nosso almoço e quero todas arrumadas. Larguem estes pintos que depois eu cuido. Andem com isso!- E elas foram correndo, as risadinhas sempre acompanhando como se tudo não passasse de uma grande diversão.

As menores sempre seguiam Alice, com apenas dez anos sempre ajudou a cuidar das irmãs com muita paciência e carinho. Aída nasceu quando Alice tinha três anos e Clara foi a raspa do tacho, caçula que marcou a mudança em minha vida há quase cinco anos. Lindas em seus uniformes, penteadas e cheirando a alfazema elas sentavam-se à mesa e entre risadas e brincadeiras partilhavam as refeições simples. Estavam sempre atentas ao horário para evitar atrasos na escolinha do bairro, eram tão estudiosas e inteligentes!

Quando partiam, o único som em minha casinha era o barulho da máquina de costura que trabalhava sem parar, caseando e fazendo roupas e mais roupas para freguesas ansiosas. Naquele dia procurei a tesoura de ponta e não encontrei, pensei nas garotas e no perigo, pois era uma tesoura bem afiada. Imediatamente parei tudo e comecei a vasculhar a casa inteira. Minha primeira reação foi procurar na caixa de brinquedos, depois nas gavetas, embaixo do beliche e a cesta de roupas sujas. Local improvável, mesmo assim derramei tudo no chão e olhei peça por peça. Nada. Fiquei mais nervosa ainda e continuei buscando.

Finalmente o minúsculo quintal, um quadrado de cimento, com direito ao tanque de roupas, varal e uma área coberta. Ouvi o som dos pintinhos dentro de uma caixa de sapatos, elas haviam feito furinhos e colado adesivos coloridos. A tesoura estava ao lado esquecida, agradeci mentalmente não ter acontecido nada grave e levantei a tampa da caixa para espiar os bichinhos. Sufoquei um grito de horror e senti um enjôo com a comida recém ingerida.

Dois pintos bicavam a cabeça de um terceiro, que também teve os pés decepados. O corpo do pintinho estava aberto e o interior revirado. De imediato tirei os sobreviventes e joguei as sobras no lixo. Com um pano úmido, limpei e ajeitei os demais em outra caixa. Não adiantava fingir, sabia perfeitamente quem havia sido a autora. Só não entendia os motivos, o que fazer e nem onde procurar ajuda. Ela havia parado com estas pequenas maldades, chamo assim porque tenho medo de pronunciar a palavra correta, mas tudo indicava que estava recomeçando.

Enchi uma xícara de café bem forte e adocei lentamente, observando o líquido escuro lembrei da cor dos olhos de Clara, tão pequena e sempre aprontando as piores façanhas. As irmãs reclamavam das bonecas quebradas, dos pertences que sumiam, dos doces amassados e eu sempre dei um jeito de repor e contornar a situação. Desta vez, ela havia ido longe demais, iria falar com ela seriamente. Talvez um castigo severo ajudasse, mas eu não tinha certeza, Clara era imprevisível e muito arisca. E só tinha quatro anos, era praticamente um bebê.

Respirei fundo quando vi a pequena Aída correndo para o quintal, logo ela gritou que havia sumido um dos pintinhos. Pedi às meninas que saíssem um pouco:- Alice, pode ir com Aída para a vila brincar, preciso falar com Clara.- Ela fizeram um sinal afirmativo e correram para trocar de roupas, em segundos estavam na calçada com as outras crianças.
Clara. Bochechas gordinhas e coradas, exibiu o sorriso de anjo que ignorei. Tentei parecer severa:- Clara.Você fez alguma coisa errada? – Ela estava sentada muito séria, na beirada da cama, balança as perninhas e me encarando sem medo:- Nada mamãe. Não fiz nada.

- Clara, ouça a mamãe e diga a verdade. Pegou a tesoura de costura da mamãe?- Não consegui falar sobre os pintos, tinha medo de ouvir a verdade.- A menina não se mexeu, apenas apontou para a bolsinha da escola. Peguei a pastinha e abri, com as mãos trêmulas vi os desenhos dos pintos sem cabeça e de um rabisco forte, um borrão vermelho com bocas e olhos imensos com dentes pontudos. Um monstro comum nas fantasias infantis, tentei mentir para mim mesma:

- O que é isso, minha filha? – Perguntei já antevendo a resposta. Clara vivia desenhando monstros e a professora já havia me chamado para conversar inúmeras vezes.

- Não posso falar. Meu amigo disse que eu podia fazer e eu fiz – Ela arregalou os olhos e eu quase tive pena.

- Quero saber o que tem neste desenho. Porquê estes riscos e dentes?É um bicho-papão?

- Ele vai ficar mau se eu contar. Quero brincar com Aída.- Segurei o rostinho dela entre as mãos, obrigando-a a me encarar. - Você matou o pintinho? Fale a verdade, não vou bater em você só quero que conte a verdade.

Ela não emitiu um som. Gritei que ficaria de castigo uma semana, disse que cortaria a sobremesa e por fim ameacei pegar o chinelo. Nem assim, nada fez com que a menina falasse, senti que ia perder a paciência e saí do quarto. Alice e Aída estavam no corredor ouvindo tudo, eram muito unidas e sempre defendiam a menor:

- Mãe, ela fez sem querer. Clarinha não fez por mal. – As irmãs estavam assustadas e estranhas.

- Vocês estão brincando comigo? O que ela fez é muito sério! Não fiquem acobertando os erros de Clara!- Eu estava realmente nervosa e mal percebi que gritava com as garotas.

- Mãe se ela ficar zangada, será pior e você sabe o que ela fez com os brinquedos da última vez que ficou de castigo. – Minha pequena Aída estava quase chorando.

- Eu disse para vocês ficarem lá fora e esperarem eu chamar. Olhe para ela agora, com todo este apoio ela nunca vai me obedecer.

- Mãe, mãezinha... Clarinha não liga pra nada, ela já está quase dormindo e daqui a pouco vai brincar com o fantasma amigo dela. Não é justo!- Alice me olhou zangada e ao mesmo tempo, eu consegui perceber a doçura da minha mais velha. Não sei porque não fui mais complacente.

- Dei uma ordem e não fui obedecida, agora todas terão o mesmo castigo. Não liguem a TV, não quero brincadeiras, façam o dever de casa e depois venham jantar em silencio. Hoje todo mundo vai dormir cedo. - Eu sabia que as meninas estavam apavoradas por conta dos brinquedos quebrados, os bichinhos de pelúcia com os olhos furados, as bonecas com os cabelos arrancados e tudo que Clara conseguiu destruir usando apenas as mãos.

O gato sumiu nesta época e Clara começou a conversar em voz alta com o amiguinho imaginário. Foi também quando Alice e Aída passaram a dormir comigo e Clarinha não se importou em ter o quarto inteirinho para si. Mas eu estava confusa demais para tomar decisões acertadas e achei correto que todas aprendessem a lição.

Lembro que as panelas ferviam o feijão recém temperado, arroz fresco e carne picada. Com a colher de pau, mexi os legumes e meus pensamentos foram longe. Senti que não podia fazer nada além do que já havia feito e só me restava esperar. Meus pensamentos foram buscar lembranças perdidas no passado, entre goles do café forte que desceu arranhando minha garganta.

Jamais entendi como o pai de Clara havia aparecido em minha vida. Foi em uma noite triste, tinha acabado de apanhar muito do meu marido e saí correndo de casa tentando escapar do que acreditei ser meu fim. Chovia muito e eu fugi, procurei um orelhão funcionando, liguei para minha cunhada e pedi que pegasse as meninas. Ela sempre ajudava, mas não ia contra o irmão, só tinha pena das crianças e me acusava de ser burra e fraca.

Sou quase analfabeta e não consegui emprego que pagasse o suficiente para sustentar minhas duas filhas, então me sujeitava às maldades do meu marido. Alternava surras quase diárias com sexo humilhante e doloroso. A violência e o medo de pegar uma doença venérea me deixavam em pânico contínuo, meu marido vivia no meio de prostitutas e marginais. Era um homem mal humorado e temido na área. Ninguém me defendeu uma única vez, apesar de ser do conhecimento geral pelas marcas que eu carregava.

Minha vida era um horror, um inferno sem fim e eu tinha pena de largar as garotas nas mãos dele caso tomasse veneno e acabasse de vez com meu sofrimento. Nesta época eu só pensava em me matar e levar as crianças comigo, mas minha cunhada tinha razão em dizer que eu era covarde, hoje agradeço a fraqueza. Minha consciência é leve e não tenho remorsos para me corroer.

Lembranças são como névoas, só sei que vaguei sem rumo, disposta a ficar longe de casa até ele se acalmar, não tinha para onde ir e fiquei debaixo de uma marquise no ponto de ônibus horas a fio. A rua estava praticamente deserta, apenas o muro da ferrovia do outro lado da calçada e vez por outra um trem passando ligeiro. O movimento naquele lugar já era ruim, em dia de temporal não se via viva alma e eu comecei a sentir muito frio, as roupas estavam encharcadas e meus sapatos rotos quase se desmanchando.

Foi quando percebi um homem ao meu lado, não vi de onde tinha vindo mas ele tinha boa aparência e parecia tranqüilo. Minha cara inchada e o olho roxo me envergonharam de tal forma, que me encolhi mais ainda no canto. Ele se aproximou e colocou a própria capa de chuva nos meus ombros, ajeitou a gola com cuidado e sorriu. Eu não sei se foi o único gesto bondoso que recebi, depois de anos presa naquela casa casada um bêbado espancador. Só sei que quando ele me estendeu a mão, eu simplesmente segui aquele homem por vielas e ruas, cada vez mais distante da entrada principal da favela.

Chegamos à uma subida, ele me guiou pelos becos e subimos por quase 15 minutos até chegar em um barraco. Ele abriu a porta e eu entrei, mal olhei aquele desconhecido e não me importei quando ele tirou meu vestido e me levou para a cama. Nada dissemos e eu não senti vontade alguma de falar, ele entendeu porque não me fez qualquer pergunta e fiquei grata.

Ele era bem moreno, tinha olhos negros brilhantes, a pele macia ao toque e um cheiro bom de homem que há tempos eu não sentia. Minha mente caiu no vazio quando abri as pernas e deixei que ele me penetrasse, gemi enquanto era completamente preenchida. Foi um sexo mudo e sem preparo, mas senti uma excitação que nunca havia experimentado antes.

Os movimentos dele eram fortes e constantes, ritmados e batiam fundo arrancando gritos que eu havia sufocado, um prazer que eu julgava morto pelas pancadas. Não sei quanto tempo ficamos assim, perdi as contas de quanto gozei e no auge da agonia trancei as pernas no dorso do homem, feito um bicho que impede o macho de sair e largar a fêmea. Eu me sentia tão mulher que desejei que aquele momento fosse eterno, ele compreendeu porque o tempo parou naquela cama alquebrada que rangia a cada investida. O teto de zinco repercutindo o ruído da chuva intensa e abafando meus gemidos altos, eram o som mais que perfeito.

Naquela noite perdi as contas das vezes que ele me procurou, fomos ficando mais íntimos e perdi a vergonha de pedir. Naquela noite fui fêmea pela primeira vez, fiz coisas que nunca havia experimentado e senti que podia morrer de prazer. Finalmente quando o dia já amanhecia, gozamos juntos mais uma vez e ele relaxou. Eu o abracei e não deixei que ele saísse de mim, o peso daquele homem contra o meu corpo transmitia uma sensação estranha de conforto. Meus olhos pesaram e não controlei a exaustão.

Acordei sozinha. Pensei que tudo tinha sido um sonho, mas eu estava deitada na cama e o barraco era o mesmo. Meu corpo dolorido e as pernas meladas, eram a prova que eu tinha estado com um homem na noite anterior, mas ele tinha ido embora e eu precisava voltar para casa. Vesti minha roupa e saí pelas ruas estreitas, era cedo demais e poucos trabalhadores deixavam suas casas.

Andei algum tempo e cheguei a vila onde eu ainda vivo, no portão havia uma ambulância, carro de bombeiros e policia. Senti um arrepio quando vi minha casa com as portas escancaradas e a maca levando o corpo coberto do meu marido. Minha cunhada gritou que eu havia matado seu irmão, mas o bombeiro informou que havia sido um infarto fulminante e o irresponsável ainda tinha posto fogo no sofá, deixando cair o cigarro acesso na hora derradeira.

Lamentei o sofá novinho e arruinado e suspirei aliviada com a viuvez recém adquirida. Isto foi há quatro anos e a gravidez imediata de Clarinha serviu para reaproximar a família do falecido, eles passaram a ajudar com as despesas das meninas e da casa. A paternidade de Clara jamais foi contestada.
Clara nunca foi uma criança igual às irmãs, sempre aconteciam coisas estranhas e ela parecia muito madura para a idade. Algumas vezes me assustava com a forma com que ela me olhava, como se pudesse entender a dor que eu carregava.

No primeiro aniversário a festinha estava pronta, subitamente um temporal desabou castigando o bairro. Ficamos isoladas e sem luz, mesmo assim resolvi cantar parabéns e na hora em que acendi a velinha, na penumbra percebi uma silhueta movendo-se nas sombras. O bebê olhava na direção atirando o corpinho como que pedindo colo e eu estava apavorada. Por sorte a luz retornou e nossa casa encheu com os vizinhos, cantamos novamente com todas as crianças presentes e partimos o bolo. Clara chorou o tempo todo e acabou dormindo no meio da festa. Naquela noite sonhei com o estranho pai de Clara e ele sorria com satisfação.

A menina cresceu e todos os anos, no dia do nascimento da pequenina eu sentia a presença daquele estranho. Podia sentir o cheiro da colônia e meu corpo doía com as lembranças, eu ainda o desejei por anos e sonhava que um dia o encontraria. Durante muito tempo não tive outro homem, era como se eu repelisse os olhares masculinos e fosse completamente ignorada. Isto me entristeceu e terminei me isolando cada vez mais e mais nas costuras. Eu ainda era jovem e sentia muita falta de um companheiro, uma amiga me convenceu a freqüentar um clube de samba próximo à minha casa e eu aceitei. Fomos duas vezes e eu ainda tinha esperanças de achar no meio do salão o homem misterioso.

Foi nesta época que Clara começou a fazer o que chamo pequenas maldades, e por mais que eu procurasse ajuda ninguém me dizia nada consistente. Busquei a resposta na religião e me mandaram procurar um médico, levei ao doutor que atestou que ela era saudável e normal, finalmente fui bater na porta de Dona Cotinha, a vidente onde terminam os casos sem solução.

Cheguei à casa antiga e na salinha já tinham umas quinze mulheres, estranho como só há mulheres nestes lugares esotéricos, acho que os homens não acreditam ou sentem medo de procurar. Peguei uma revista e fingi ler, enquanto ouvia as outras contando mil casos de sucessos alcançados com a médium ou do que esperavam conseguir. Eu fiquei quieta no meu cantinho até ser chamada, o quarto era arejado e arrumado. Apenas um altar com a imagem de Nossa Senhora e algumas velas, na mesa coberta por uma toalha de linho branco, um copo de água e alguns patuás. Ela me olhou com expressão suave e acolhedora, era uma senhorinha bem simpática e eu sorri:- Você dormiu com o mal e agora está com medo do fruto.- A boca da velhinha retorceu em um sorriso feio- Não quero esta coisa me perturbando, pode ir embora da minha casa.- A vidente ajeitou os óculos que marcavam o nariz, tamanho o peso das lentes e deixou tocou um sininho.

Logo apareceu uma mocinha que pelos traços era parente, neta ou bisneta:- Por hoje terminou, ela está cansada e não vai atender mais ninguém.
Nesta hora me ajoelhei e perdi a vergonha, chorei e implorei ajuda por tanto tempo que ela fez um gesto apontando a cadeira:- Não foi porque eu quis, eu não sabia nem sei de nada. Só estou assustada porque minha filhinha é estranha. Ela vê coisas, fala sozinha e assusta as irmãs .

- É tarde demais, a menina não vai ficar muito tempo entre nós, mas enquanto estiver aqui é preciso ter muito cuidado.

- Como assim? Minha filhinha está com os dias contados? Que é isso Dona Cotinha? Ela só tem quatro anos, não é possível o que a senhora está falando é mentira!- A idosa levantou-se e vi que ela devia ter quase oitenta anos. Era quase cega, apoiada na mesa ela me encarava muito séria. Fiquei envergonhada e pedi desculpas:

- A menina não é sua nem de ninguém, ela vai embora com o pai e você não pode impedir. E se tentar, terá um final ruim e arrastará com suas outras filhas para o mesmo buraco. Sinto muito.

- Não é possível salvar minha filha? Não é possível mudar isto tudo? O que eu fiz? Quem é este homem?

- Este homem é um bruxo poderoso, maldoso e que se aproveitou de você para ter um filho. Ele sabe de todos os seus passos, controla sua vida de longe e a menina é tão ruim quanto o pai. Ele vive no nosso mundo mas pode caminhar no mundo das trevas, ele deixa o corpo e vai em espírito. É assim que ele e a filha se encontram desde o nascimento. Não tem jeito, ele pode matar se for preciso, tem dinheiro para calar a boca de muita gente e você vai sumir sem deixar rastro se teimar em não entender. É o destino. Ponto final.

- Quando? Quanto tempo eu tenho contra este homem? Você tem idéia do que está me dizendo?- A velha dobrou o corpo como se houvesse sido golpeada e gemeu de dor, foi escorregando para o chão e arrastando a toalha com ela. A jovem correu para me ajudar a socorrer a idosa, mas ela fez um gesto para que eu me afastasse:- Saia agora. No dia do aniversário da criança ele virá. Não volte nunca mais, é um pedido que faço.

Deixei a casinha de Dona Cotinha em pânico, me sentindo responsável por ter provocado o sofrimento na pobre senhora e ainda por cima não tinha mais que algumas semanas para tentar achar uma solução para o problema de Clara. Clara matou um bichinho, sabia que algumas crianças faziam estas coisas, não porque são ruins mas por falta de maturidade. Mas como explicar o comportamento das irmãs? Foi neste instante que ouvi um grito e saí correndo em direção ao quarto das meninas:- Clara! O que você fez com suas irmãs?- Alice e Aída estavam sentadas no chão, os cabelos reduzidos a pequenos tufos, praticamente carecas enquanto Clara usava a tesoura que eu havia escondido.

- São minhas bonequinhas e eu quis cortar os cabelinhos delas. Mas Aída gritou porque é boba.- A pobre gritou porque Clara havia provocado um talho na orelha da menina e o sangue vertia sem parar. Peguei o primeiro pedaço de pano que achei e enrolei a cabeça de Aída, com minha filha no colo, corri para a vila e pedi ajuda.

Deixei Clara e Alice com uma vizinha indignada e fui para o hospital público. Depois de muita luta para ser atendida, minha menina foi socorrida e levou vários pontos. Os médicos me olhavam como seu eu fosse uma irresponsável imbecil e eu chorei com Aída a cada agulhada. Quando voltamos, peguei as outras meninas e tive que me explicar para toda a vizinhança, claro que ninguém aliviou e foi péssimo.

Clara estava quieta e Alice contou que não lembrava porque haviam concordado com a brincadeira. Coloquei as duas pra dormir comigo e pela primeira vez tive vontade de trancar a porta. Mas não consegui e de madrugada levantei para ver se Clara estava dormindo, ela parecia tão serena em seu sono que parte de mim não queria acreditar naquelas coisas horríveis. Eu estava sentada na beira da caminha, ela abriu os olhos e me olhou de uma forma que não gostei:- O que foi filha? Tudo bem... Amanhã vamos ver sua irmã e você vai pedir desculpas.

- Não vou pedir nada. Eu não gosto dela, não gosto de Alice e não gosto de você- Clara apontou o dedinho para mim.- Eu gosto do meu pai.

- Seu pai foi para o céu, porque não gosta de nós? Somos sua família.

- Não são. Meu pai não foi para o céu, ele está bem aqui e você é uma mentirosa!- A menina continuou apontando em minha direção e fui obrigada a olhar para trás. Neste momento senti como seu houvesse levado um soco no estômago e instintivamente me encolhi. A sombra passou ao meu lado e aproximou-se de Clarinha, tentei levantar para pegar a menina e não consegui.

- Clara! Não é seu pai, venha pra cá com a mamãe. Venha filha.- Não consegui falar mais nada e a menina me ignorou enquanto olhava a sombra e sorria. Aos poucos meus olhos foram se acostumando com a escuridão e distingui os traços daquele maldito estranho.

Era ele com toda certeza, não um fantasma ou coisa parecida, era o espectro que me incomodava e eu precisava impedi-lo de roubar minha filha:- Você é um monstro! Monstro! Eu consigo te enxergar e é um covarde também, que usa uma menininha inocente e nem ao menos tem peito para assumir o que diz ser seu. É minha filha e você não vai fazer nada contra ela, quem é você? Uma sombra? Uma coisa ruim que se aproveita de uma criança como se aproveitou de mim? É isso. Eu não tenho medo de você. Pare de atormentar minha família.

Nunca soube se tinha enlouquecido ou era somente cansaço e desespero, mas deu certo e aquela coisa foi ficando cada vez menor. Quando ele sumiu por completo, peguei Clara e a levei para o meu quarto, passei a madrugada inteira velando o sono das minhas filhas.
No dia seguinte recebi a visita de um advogado, vinha por parte de um completo desconhecido que alegava ser pai da minha filha Clara. Então tive a prova que ele havia escutado minhas ofensas, que ele era um homem e não um espírito ruim. Ele usava algum truque que eu não conhecia, depois de tantos anos de espera, tudo que senti foi um ódio crescente por tantos anos desperdiçados.

Apresentei a certidão de nascimento da menina com o nome do meu falecido marido, disse que chamaria a policia se fosse incomodada. Sabia que o risco que corria era grande mas não aceitei nada do louco, psicopata ou o quer que fosse. Lamentei porque se tivesse algum dinheiro guardado, poderia fugir com as meninas para algum lugar bem longe...Mas o pouco que ganhava mal cobria os gastos. E dona Cotinha havia dito que não adiantava fugir. Eu estava muito nervosa e mal podia raciocinar com tantos problemas, mas naquela hora só conseguia lembrar as palavras da vidente e tremer de medo.

Dias depois Clara era outra criança e não falava com amiguinhos imaginários ou fazia nada fora do normal. As outras meninas estavam lindas com o cabelinho bem curtinho e não falamos mais sobre o incidente. Faltavam poucos dias para o quinto aniversario de Clara e eu comecei a organizar tudo com simplicidade, comprei bolas e fiz enfeites, planejei um bolo com o tema das princesas e estava com as mãos doendo de tanto enrolar docinhos. Finalmente chegou o dia da festinha e todas elas estavam com roupinhas de princesas, fiz tudo com muito carinho e Clara corria pela casa balançando a saia comprida e rodopiando. Ela havia escolhido ser Branca de Neve e estava uma graça com a fantasia. Enfeitei a mesa com maças do amor e algumas crianças estavam tão ansiosas para provar o doce que liberei tudo, antes mesmo de cantar o parabéns e partir o bolo, elas se lambuzavam com o caramelo vermelho e se deliciavam com brigadeiros e cajuzinhos.

Esqueci todos os problemas e estava feliz, vendo todas aquelas crianças ao redor de Clara fazendo a maior algazarra, pensei faziam alguma brincadeira. Foi quando vislumbrei Clara parada no centro da roda, ela apertava a mão contra a garganta, abrindo e fechando a boquinha tentando respirar, por isso estavam ao redor da menina e gritavam sem parar.

Chamei pelos adultos pedindo socorro e todos correram para ajudar minha menina, havia uma enfermeira que conhecia um procedimento correto e nem assim conseguiu que ela cuspisse o pedaço de maçã. Quando a ambulância chegou, Clara era um corpo sem vida em meus braços e eu não queria deixar que a levassem. Horas mais tarde algumas crianças começaram a vomitar e evacuar sangue, Aída e Alice estavam entre elas e eu perdi completamente a razão.

Descontrolada com a dor que sentia, fui medicada e perdi os momentos finais das minhas outras filhas. Tudo que eu consegui entender é que uma bactéria havia causado as mortes dos pequenos, uma maldita bactéria comum em embutidos de má qualidade ou com o prazo vencido. Uma vizinha foi verificar a lixeira da minha cozinha e achou uma embalagem de salsichas que eu nunca usei na vida com a data de validade de um ano atrás. Imediatamente fui acusada de homicídio culposo e outras coisas, como maus tratos e até mesmo insanidade.

De uma hora para outra, havia me tornado a bruxa malvada capaz de servir na festa de aniversario da própria filha, a morte em forma de guloseimas comuns. Minha intenção? Maldade! Bruxaria, Satanismo e outras coisas ligadas. Foi o que ouvi o povo gritando sob a janela do quarto onde estou algemada à cama, aguardando a remoção para uma prisão de segurança máxima até ser julgada. Toda a cidade me odeia e qualquer presa quer o privilégio da minha cabeça. Um policial disse que talvez eu termine os dias em um hospital psiquiátrico, mas eu não importo mais com nada... Acabei de ver minhas filhas e elas parecem bem, estão vestindo seus uniformes e o pai de Clara as trata com carinho.

Não sinto mais raiva dele, porque sei que ele é o homem da minha vida e nada fez de mal, ele apenas sabia que eu não estava pronta para cuidar de meninas tão especiais. Ele me disse isto e me pediu desculpas, minhas filhas também confirmaram que são mais felizes longe daquelas pessoas horríveis e do lugar onde vivíamos. Eu apenas espero uma chance de me juntar à eles,vamos ser uma família de verdade, por isso preciso fingir que estou bem calma e compreendo tudo que dizem. As janelas do quarto não tem grades, quando ele me mostrou, fiquei imensamente feliz e meu coração se encheu de esperança.



Tablóides sensacionalistas. Notícias sobre crimes e afins.




Os jornais noticiaram o pior crime jamais visto na cidade de Passalina, uma bucólica cidade do interior onde o grau de criminalidade é quase zero. Apesar de boa parte da população... ...Renda média, há existência de favelas e grande número de desempregados... A manchete principal percorreu todo o país e deixou chocada a população: Psicopata mata trinta pessoas em festa infantil, três vítimas eram filhas da própria assassina. O crime aconteceu quando comemoravam o aniversario de cinco anos ... Ela misturou veneno à comida servida e não socorreu às vitimas agonizantes... Não houve sobreviventes... A assassina já tinha sido internada quando adolescente e tido alta apesar de um dos psiquiatras ter diagnosticado esquizofrenia... Divergências no diagnóstico foi a causa!... Segundo junta médica... Antigo médico diz que paciente jamais poderia ter saído da Instituição...Laudos confirmam... Suicídio em hospital comprova ineficiência da segurança... Parentes vão processar o sistema de saúde e exigir... IndenizAÇÃO... indeniza AÇÃO... AÇÃO.

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